Que eu possa continuar vendo todas as pequenas coisas

Espero ter sido destinada as pequenas coisas. É o que desejo apaixonadamente. É delas, das pequenas coisas, dos acontecimentos mínimos, das irrelevâncias que extraio sentido para o viver.

Ouvi dizer que, somente quem conheceu ou ainda conhece a dor, a tristeza, o cheio e o vazio da saudade, consegue se demorar mais na observação dos detalhes. Quem já sentiu o abatimento de um golpe e precisa, de algum modo, recuperar-se, sabe como é: precisamos buscar significado, reencontrar a esperança em tudo e em cada detalhe particular do infinito.

Meu olhar, minha fome de ver não se faz em sobrevoo sobre o imenso mundo grande. Meu olhar, sabe que pode pouco e, aos poucos, percorre toda paisagem que pode repousar, descansar a vista até poder fechar os olhos por um tempo e, assim, ver mais.

Eu sei que não nasci para as grandes narrativas. Não nasci para protagonizar histórias que não me atravessaram. Sou travessia de mim mesma, estou sempre indo e voltando para mim.

Hoje em dia, já consigo entender que, no fim, no fundo, as coisas que escrevo, os versos, as imagens, as prosas, os áudios, os relatos, os ensaios, um dia, hão de servir para mim, como uma espécie de “reserva técnica” ou “reserva afetiva” que irá servir de nutrição futura na maturidade.

Cuido para saber qual é a minha fome, cuido para entender qual é a minha sede. Investigo em mim o que me impele, o que alimenta a minha vida e, de novo e, de novo, me vejo cuidando de enxergar o que é, aparentemente, irrelevante, como a querer fazer ver o invisível. E entendo que a razão é fazer-me relevante junto com as coisas que não aparentam ser, à primeira vista.

E, aqui me recordo do poeta Rainer Maria Rilke em sua primeira carta ao jovem poeta na obra “Cartas a um jovem poeta”. Ele aconselha (porque assim lhe foi pedido pelo jovem), que ao escrever, se seu o cotidiano parecer pobre, o jovem poeta não deve reclamar do cotidiano, mas, de si mesmo, perguntando-se se foi poeta suficiente para enxergar beleza nas pequenas coisas, na simplicidade. Com esse recado, Rilke nos lembra que para quem escreve, não há nenhuma aparente feiura ou precariedade no mundo que não mereça a nossa atenção. Nenhum ambiente insignificante.

Para mim, e para quem reconhece em si uma necessidade incontornável de escrever, todos os momentos são dedicados a recolher víveres que irão nos alimentar e abastecer aquela “reserva técnica ou afetiva” de que falei antes. Qualquer coisa, qualquer hora, até aquelas que parecem não dizer nada e passam como se fossem indiferentes ou até tediosas, até elas guardarão um sentido, aqui e agora ou no futuro que, com sorte, restará como um testemunho do modo como alguém como eu traduz a sua existência. Será sempre a existência de alguém, talvez a minha, a desta escritora que encontrou na palavra seu propósito de vida nesse mundo.

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