Categorias
prosa poética

NOSTALGIA

A noite é pálida sem a vida do universo amostra e um vento fresco balançando as folhas outonais das árvores. O som do rio inunda os ouvidos e os motores ainda triunfam sobre a cidade. Sinto a saudade do que sonhei e não tive, passeando entre minhas lembranças mal arquivadas na memória. Meu cão me olha, sorri nos movimentos leves de sua cauda e sinto que já não posso ser nada além de um cuspidor de palavras mal escritas num papel surrado. Acendo o cigarro amassado pelo bolso furado que minha calça sustenta de tão velha quanto um pergaminho egípcio. O sorriso já não me encontra como no tempo em que vivíamos enamorados pelas calçadas esburacadas e nos bares mais fétidos que se poderia beber uma dose de conhaque.

       Os fios brancos, as dores nas costas e a metamorfose de uma velhice que chega derrubando as paredes do eu interior, vai demolindo qualquer desejo de quem quase não desejou nada. O fim parece tão próximo que cada dia se torna único e enfadonho. Um fado já não toca os ouvidos como tocava ao dançar de corpos colados, pois hoje já não há corpos mais colados. O desejo de um corpo feminino já não faz tanto sentido, a pele já não sente o calor que vibrava apenas na troca de olhares, hoje tudo é apenas um amontoado de lembranças de um passado distante. As pernas já falseiam numa simples ida à padaria o que dirá nos braços de uma paixão. O prazer fugiu pela porta e correu a se esconder nos fundos da casa ou até mesmo numa cidade distante. A alegria se torna uma tarefa hercúlea e uma palavra de afeto parece agarrada no fundo da garganta feito um pigarro de muitos anos de tabaco.

          Nada é tão inseguro quanto olhar no espelho. Aquela imagem fixa que não te lembra em nada você, não possui seus traços tão seus. Tudo é passado e o presente é apenas o resto do que poderia ter sido. Mas repito: nada fui. O mundo passa feito fumaça lançada pela boca de uma mulher e se dissipa no espaço-tempo de uma viagem espacial. Não deixarei nada além de histórias etílicas e rabugices de um velho desprovido de sonhos. Nada mais que sonhos sem sonhos.

         Quando levanto a cabeça para tomar a última dose e olho para janela defronte aos meus olhos, percebo que tudo passou naquele quadrado e que a vida não passa de arresto de uma riqueza que nunca existiu.

Uma resposta em “NOSTALGIA”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *