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As ensinanças da escritora Flay Alves

Quando decidi que era hora de colocar ordem nessa ideia doida de ser escritora, a Flay Alves foi uma das primeiras pessoas que busquei para pedir ajuda. Conheci seu trabalho como autora e produtora de conteúdo lá no Instagram e logo percebi o talento dessa escritora para ensinar e apoiar outras pessoas. E não é só uma questão de vocação: a Flay realmente gosta de doar-se, de conectar pessoas, contar histórias e inspirar escritores wannabe por aí.

Comigo não foi diferente! Durante várias semanas, participei de um processo de mentoria literária com a Flay e, mesmo depois que encerramos nosso trabalho juntas, continuamos próximas nas redes, trocando figurinhas e ideias sempre que podemos. Embora ainda não tenha lido seu livro “Donas de si”, já pude apreciar sua escrita leve e pessoal em seus trabalhos lá no Medium e nas redes. Nessa entrevista, a própria Flay compartilha mais sobre quem é, seus sonhos e ações pra chegar até eles. Porque se tem uma coisa que eu aprendi com ela é como a escrita independente é sobre transpir(ação)!

Como você se chama e a que se dedica quando não está escrevendo?

Toda minha vida tem girado muito em torno da escrita. Meu nome é Flay Alves, eu sou jornalista, escritora e produtora de conteúdo. Trabalho como colunista da revista AzMina, com uma escrita mais jornalística, e também trabalho produzindo conteúdo numa escrita mais digital. Além disso, me dedico à escrita mais literária que é a que eu compartilho nas minhas redes sociais e que compõe as minhas obras. Também faço capacitações de escrita hoje em dia: oficinas, mentorias e o programa de escrita coletiva.

Quando se descobriu escritora?

Desde criança. É muito engraçado porque eu não consigo desassociar escrever de existir. Desde que eu me entendo por gente eu me percebi escritora e alimentei esse sonho. Escolhi estudar jornalismo para adquirir algumas técnicas e facilitar esse caminho que estou trilhando hoje. Embora tenha me descoberto escritora desde criança, acho que só me aceitei e me assumi depois que lancei “Donas de Si”.

Sobre o que você escreve? O que te inspira?

Eu costumo dizer uma frase que carrego pra minha prática da escrita que é: eu escrevo sobre a beleza da vida e o encanto de ser gente. Eu costumo escrever muito sobre as emoções humanas, sobre amores, alegrias, tristezas, medos, angústias, sobre o riso, o choro. Escrevo também sobre ser gente a partir de vários recortes: como é ser uma mulher, uma mulher negra, uma mulher negra e nordestina. São os grandes temas da minha escrita.Às vezes também escrevo um pouquinho sobre auto-conhecimento e auto-cuidado.

O que mais me inspira é viajar. Inclusive foi a partir da viagem que eu consegui me destravar na escrita e liberar tudo que estava aqui dentro e que eu queria compartilhar com as pessoas por meio das palavras. Aém de viajar, como nesse momento não podemos fazer isso, eu sinto que os diálogos, as trocas com outras pessoas também me inspiram bastante. Quando eu participo de rodas, quando eu converso com meus amigos e até mesmo nos momentos que eu tenho comigo mesma. Quando eu paro pra meditar, tomando meu cafezinho e pensando na vida, ouvindo uma música… Então acho que é isso, esse contato com o estrangeiro por meio das viagens, com o outro por meio dos diálogos, e comigo mesma por meio desses momentos de solitude.

Como você descreveria o seu estilo de escrita?

Cada vez mais eu percebo que a minha escrita surge muito a partir do real, do que eu vou vivendo. Minhas experiências acabam se transportando pra escrita em forma de reflexões ou histórias inventadas, mas que têm como referencia o real. Descreveria minha escrita como muito carregada de metáforas e personificação, o que eu acho interessante porque acredito que as metáforas brincam muito com a ampliação dos sentidos e a personificação humaniza a escrita e tudo que nela há. Pensando à longo prazo, tenho muita vontade de praticar cada vez mais uma escrita que esteja dentro do afrofuturismo e do realismo mágico. São dois estilos para os quais eu me sinto caminhando.

Onde você publica seus textos?

Hoje eu publico principalmente nas redes sociais, em primeiro lugar no Instagram e em segundo lugar no LinkedIn. Volta e meia eu publico alguma coisa no Medium, mas as publicações que eu faço lá são bem despretensiosas, são muito mais escritas que eu gostaria de ter pra mim como espaço de registro.

Além disso, tenho “Donas de Si”, meu livro-reportagem que conta a história de mulheres migrantes vítimas de violência de gênero. No momento estou preparando uma obra, não posso falar muito a respeito dela porque é uma obra em co-autoria com outra pessoa, mas posso contar que também se trata de um livro-reportagem e  é uma coletânea de perfis.

Quais são as suas principais referências?

Nesse momento eu tenho mergulhado muito nas referências da literatura negra, como a bell hooks. Enquanto prática e propósito dentro da escrita, ela traz muito essa perspectiva de que a gente precisa ocupar esses espaços e torná-los cada vez mais acessíveis em todos os sentidos: na linguagem, na estrutura, na distribuição da nossa literatura. Ela sugere, por exemplo, que a gente transforme nossos escritos em podcasts, materiais em áudio, pra que pessoas analfabetas possam acessá-los. Então wuem norteia muito a minha prática de escrita e um ideal de vida é bell hooks.

Também tenho como referência Maya Angelou, que é muito da auto-biografia, da escrita que surge a partir das memórias; Conceição Evaristo, que traz a questão da “escrevivência”, essa escrita que surge a partir do que você viveu, viu e sentiu. Além de ser também panorama da realidade de outras mulheres. Essas são algumas referências.

Nesse momento estou lendo Chimamanda Adichie e Grada Kilomba. Quando paro pra pensar no passado, na infância eu li muito Pedro Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Jane Austen, referências que me consitituem enquanto pessoa e escritora. Mas é bacana também estar construindo pontes com outras mulheres e escritoras que sejam mais semelhantes a mim.

Como é ser escritora independente?

Eu acredito que é desafiador, porém você aprende muito nessa jornada. Eu me sinto muito feliz por ter começado minha trajetória na escrita enquanto uma escritora independente. E mesmo hoje, que eu já começo a vislumbrar outros formatos de publicação, eu me vejo voltando pra escrita independente inúmeras vezes, porque mesmo sendo muito trabalhoso, existe bônus nisso.

Acho que o principal que eu sinto é essa proximidade, essa identificação com os leitores, com as pessoas que acompanham o seu trabalho. Geralmente quando você lança uma obra de maneira independente, as pessoas que compram o seu livro estão comprando o seu sonho, a sua proposta. Elas estão abraçando aquilo. Então acho que a literatura independente acaba se tornando também esse sonho, essa realização coletiva. Eu vejo dessa maneira, acho que carrego um pouco de utopia. Sempre paro e penso, nossa há trinta, quarenta anos atrás, não seria assim tão fácil você se publicar. E que bom que as coisas sejam assim e que a gente possa valorizar esses caminhos facilitados.

Quais foram seus principais desafios?

O primeiro deles é o medo. Acredito que a gente demora anos e anos pra vencer esse medo, ainda mais quando a relação com a escrita surge muito cedo. Hoje eu percebo que foram camadas e camadas de medo, de não saber quais eram meus temas na escrita; depois o medo do que as pessoas iriam pensar e depois o medo de como viver da escrita, como tornar aquilo o meu trabalho principal. Foram medos e medos, camadas e camadas, até reconhecer e abraçar o ofício.

Acredito que os principais desafios seriam esses, o medo em suas várias camadas e desdobramentos. Mesmo depois que você lança a sua obra, o medo é uma constante. Você prepara uma nova obra e vem o friozinho na barriga, e que bom! Que bom que vem esse friozinho na barriga, porque de alguma forma sinaliza que importa e praticar uma escrita que importe faz toda a diferença.

Quais foram as suas maiores conquistas?

A maior delas foi colocar minha voz no mundo. Chimamanda Adichie tem uma frase que é “escolher escrever é rejeitar o silêncio”. Dentro disso que eu falo, acabo abordando a temática de gênero, de raça. Sinto que enquanto vou trazendo vários temas que me atravessam, compartilhando reflexões e relatos, eu estou me libertando, estou de fato colocando minha voz no mundo.

Disso surgem conexões e diálogos incríveis, então essa seria a segunda maior conquista. Eu paro e penso na quantidade de pessoas incríveis que eu conheci por meio da escrita, tantas mulheres e pessoas que conheci nesses contatos, nesses diálogos e trocas, ou acessando a obra delas. Quando você lê um livro de uma pessoa de alguma forma você está conhecendo aquela pessoa.

A terceira conquista são os aprendizados desse processo. Eu tô numa fase de muita anáise, reflexão, de fichamento, entendendo quais são as estruturas por trás da escrita. Uma fase de muito estudo, sinto que tô aprendendo muito. Está sendo fantástico, eu tô curtindo e isso me deixa muito feliz.

Por fim, outra conquista é a entereza. Acredito que eu não me sentiria completa se eu não tivesse escolhido esse ofício. Não consigo me imaginar praticando outra profissão que não a de escritora, então me sinto feliz por ter bancado alguns desafios que vieram do medo no passado pra agora ter essa conquista da entereza, de acordar, tomar o meu cafézinho e falar, uau! Eu realmente embarquei nessa jornada. E que jornada maluca!

Quais escritores nacionais e independentes você recomenda?

Regiane Folter – adoro sua escrita, adoro as reflexões que você traz! Gabriela Araújo, Manuela Ramos, Isadora Silva, Maria Maria Poesia, Luciana Nacimento, Dayanne Dockhorn, Joana Silva, todas essas que eu citei são minhas pares e eu acredito muito que a gente deva admirar e recomendar mulheres que são nossas pares desde a fase inicial. Referenciar o trabalho dessas pessoas, valorizar.

Dessas todas que eu citei algumas eu conheci no Instagram, outras eu conheci nas rodas que eu tenho organizado, outras eu conheci em saraus. É incrível, é fantástico, cada vez que eu escuto ou entro em contato com as obras dessas mulheres eu aprendo e me sinto extasiada. Uau, quanta literatura boa tá sendo produzida e que bom poder testemunhar isso.

Quais são as suas dicas de ouro pra quem está começando?

Primeiro, apenas comece. Mesmo. Apenas comece. Provavelmente, na fase inicial você vai ter muitas pontas soltas, mas se a gente ficar esperando completar todas as etapas, conseguir visualizar como vai ser toda a jornada, a gente nunca vai começar. Porque é isso né, escrever é esse processo que vai se re-inventando. A gente dá um passo e aí vem um novo desafio. Então apenes comece. Porque a escrita não é só resultado, é processo, é momento.

Então a segunda dica é aproveite essa jornada, que é incrível. É fantástico que o nosso trabalho seja cada vez mais divulgado e que alcance mais e mais pessoas. Mas é mais que isso. Se a sua obra hoje chega pra 50, 100 pessoas, não importa o número, isso já é transformador. Não tem preço você receber por exemplo o feedback de alguém que leu a sua obra. E que de alguma forma se conectou, se viu nas suas palavras, naquela história que você contou. Não tem preço. Se foram dezenas de pessoas, se foi uma pessoa, você já vai sentir que a jornada valeu a pena. Então, aproveite!

E em terceiro lugar, conecte-se com as suas pares. Troque ideias e figurinhas com outras mulheres que são escritoras como você. Hoje a gente tá muito no formato digital e virtual, mas logo mais a gente vai poder se reunir em encontros, saraus, prosas presenciais. Se conecte porque isso vai fortalecer demais o seu processo, vai te ajudar a se sentir mais confiante, vai fazer você enxergar que as outras pessoas passam pelos mesmos desafios que você, vai fazer você se sentir mais forte, mais pronta pra encarar toda essa viagem.

Quais são os seus planos pro futuro?

Primeiro, concluir e lançar essa obra que eu to organizando em co-autoria com outra pessoa. Em seguida, e espero que até lá a pandemia já tenha vazado do planeta, retomar minha obra itinerante sobre o espírito nômade, que foi uma obra muito especial quando eu estava numa fase de efeverscência dentro da escrita. Ela tá guardada, tá engavetada, esperando o momento de retomar as viagens.

Quero seguir com as capacitações que eu realizo hoje, lançar meu curso online de escrita, provavelmente no segundo semestre desse ano. Estou montando esse curso a partir do mapeamento das principais dificuldades e desafios que as mulheres apresentam nas minhas oficinas, mentorias e no programa de escrita criativa. Além disso, quero começar a desenhar uma plataforma de educação pra mulheres escritoras, é um sonho que eu tenho. Não seria só uma plataforma de educação, seria uma plataforma de comunicação, conexão e fomento entre mulheres escritoras. Mas é um projeto bem robusto, bem à longo prazo. Não consigo imaginá-lo realizado esse ano. O curso online vai ser um start pra essa plataforma, pra esse ambiente virtual em que a gente vai poder se aprimorar na escrita, se conectar e fometar umas às outras. Seria algo pra daqui um ano, dois anos. Os passos que eu tenho dado no que se refere à educação dentro da escrita, as capacitações, vão nesse sentido.

Acredito que depois dessa obra mais itinerante, provavelmente minha próxima obra será de ficção. Dentro do programa de escrita coletiva, que são encontros semanais onde a gente escreve e faz várias práticas dentro dos mais variados gêneros, eu comecei a escrever contos. Tá sendo um processo muito gostoso e aí eu senti que escrever contos foi o ponto de partida pra essa escrita mais ficcional. Mas é à longo prazo, isso que eu trouxe de aproveitar a jornada, eu me sinto muito dessa maneira. Eu sinto que depois que comecei a estar na escrita dessa forma, me sinto menos ansiosa, mais otimista, motivada, celebrando muito mais cada conquista, cada passo, reconhecendo cada aprendizado… ou seja, aproveitando mesmo muito mais a jornada. Tudo é experimentação, sabe. Tô nesse momento, escrevendo um conto e ai eu pensei “nossa gente, que legal, que gostoso!”. Um novo gênero, um novo formato tem seus desafios, você vai buscar novas referências, enfim. Eu acho que é sobre isso, escrever é sobre você viver cada descoberta que vai rolando no processo.

Por onde o público pode acompanhar o seu trabalho?

Pelo Instagram, LinkedIn e Medium.

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