Mãe, um robô acabou de ligar para mim. Ele estava te procurando.
Assim começou o meu diálogo com a mamis.
E o que ele queria?
Não sei. Ele pediu desculpas e desligou quando eu falei que não era você.
Esse podia ser um diálogo dos Jetsons ou do Star Wars, certo?
Ah, entendi. Se for importante, ele liga de novo.
Podia ser, mas, na realidade, essa foi uma conversa entre mim e a minha mãe na semana passada.
A pessoa – ou melhor, a coisa – em questão que ligou no meu celular era provavelmente um robô-telefonista. Desses com sintetizador de voz e tudo o mais. Ele devia ter o meu número de celular achando que, na verdade, era o número da minha mãe. Teria o pobre do robô sido enganado?
Ok, mas o que chama a sua atenção a partir dessa experiência cada vez mais corriqueira? – você deve estar pensando.
A resposta mais óbvia é: estou surpreso com o aumento da presença de máquinas automatizadas no nosso cotidiano. Sei lá, já tá virando normal.
O que me traz à segunda resposta: estamos encarando a presença da tecnologia com cada vez mais naturalidade e talvez até sem percebermos! Muito se fala do ‘novo normal’ originado na pandemia de COVID-19. Seria a presença de máquinas e a nossa aceitação delas um outro e mais profundo novo normal?
Por fim, fico pensando: além da naturalidade que já estamos dando às novas tecnologias, qual é o tamanho da presença e da influência delas? Não me refiro apenas aos robôs-telefonistas. São os aplicativos de namoro, que encontram o nosso par perfeito (veja mais sobre isso na minha última coluna), são as máquinas de lavar roupa que se conectam ao Facebook, são os nossos celulares que escutam tudo o que falamos e depois nos sugerem itens para a compra com base nas nossas palavras ditas em voz alta.
Sobre esse último item, aí vai mais um causo: outro dia, uma amiga minha, que é psicóloga, contou-me que, durante uma sessão de terapia, seu paciente mencionou uma empresa de corretagem financeira. Como muitas terapeutas, o celular da minha amiga costuma sempre ficar bloqueado sobre a escrivaninha do consultório e esse foi o caso durante aquela sessão. Eis que ela, que nunca foi investidora nem sequer tem interesse nisso, disse que, nos dias seguintes, o Google e os anúncios dos sites que ela frequentava no celular não paravam de fazer propaganda da tal empresa de corretagem. Ai que medo!
E olhe que esse choque vem de um millennial. Supostamente, eu deveria estar acostumado com computadores, aplicativos, eletrodomésticos inteligentes e robôs-telefonistas. Imagine então alguém de uma ou duas gerações atrás!
Ok, essa suposição não faz muito sentido. Eu, com menos de trinta anos, entendo de tecnologia menos que muitos vovôs de sessenta. Mas o meu último ponto é: nós, mais jovens, nascemos e crescemos em meio a tantas das mais recentes tecnologias e ainda assim, quando nos damos conta, estamos reféns delas e aí ficamos abismados.
No meu tempo, os robôs não faziam ligações para as pessoas – a mamis poderia ter me dito, encerrando a conversa.
Mas fui eu que disse isso. Até que me dei conta de que essa é a minha realidade há anos!
Sim, eu estou abismadíssimo com esse novo normal.

Guilherme Formicki é escritor, arquiteto e urbanista. Desde pequeno, adora escrever. Na escola, ganhou seu primeiro concurso de redação ao escrever sobre uma nota musical presa dentro de uma flauta. Mais recentemente, sua coletânea Pranto e Outros Contos, disponível no Wattpad e na Amazon, ganhou o primeiro lugar no Concurso Diamantes Raros, segundo lugar no Concurso Fique em Casa e terceiro lugar no Concurso Literário Novos Talentos. Guilherme também publicou o conto “Eles” na revista LiteraLivre de Julho/Agosto de 2020.
Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) em 2016, Guilherme obteve o título de mestre em Planejamento Urbano em 2019 pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Lá, recebeu uma bolsa Lemann e ganhou o prêmio Charles Abrams pela dissertação mais comprometida com justiça social. Guilherme também trabalhou na Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SEHAB), onde participou da urbanização de 7 favelas e auxiliou mais de 74 mil famílias entre 2014 e 2016. Guilherme atualmente concilia a sua dedicação aos estudos urbanos com a sua paixão por escrever.