Quinta-feira, 21 de julho de 20221, 7h20min2 da madrugada.
Escrevo essa crônica cheio de ódio. Um ódio terrível daqueles que consomem cada pedaço da alma. (Aliás, já peço desculpas caso eu pareça me exceder em algumas frases adiante. Na verdade, eu dei uma relida nisso aqui e há excessos. Graves excessos. Mas, na verdade, eu não ligo. Vou priorizar o espírito do momento.) A justificativa para esse sentimento deve estar clara: são 7h20min!!
É o seguinte: eu acabei de deixar minha esposa no Parque do Sabiá, aqui em Uberlândia/MG. Ela e uma amiga tinham marcado de “caminhar”. Na verdade, pelo que me consta, por mais que ambas estivessem trajadas como manda o manual dos caminhantes (ou seja lá como essa turma se denomine), esse momento, cá entre nós, é para que elas andem bem devagar e consigam pôr o papo em dia. A Carol — minha esposa, mas isso vocês já sabem (espero) — me acordou umas 6h30min. Perguntou, retoricamente, se eu podia levá-la no Parque (isso é só a forma meiga de ela me lembrar da minha obrigação).
— Carol, eu já pedi pra você não me acordar em cima da hora. — É que quando eu acordo nesses horários injustificáveis, e depois de ter dormido tão pouco, eu demoro um bocado para realmente acordar. O meu corpo (como, acredito, o de todo ser humano) passa por um processo de demorada assimilação da realidade que lhe foi imposta. Até que isso se dê, eu permaneço estático, naquele estado intermediário de acorda-não acorda, sem conseguir mover um dedo, como se uma bigorna estivesse sobre as minhas costas, e provavelmente o meu algoz precisará me chamar à “vida”3 mais algumas vezes.
— Mas não tá em cima da hora. — Leia essas falas imaginando a pessoa sentada na cama, falando rápida e articuladamente, cheia de vida e vigor.
— Que horas são? — Agora leia essas e as demais falas deste pretenso escritor como tendo sido liberadas bem devagar, entrecortadas, e roucamente.
— Seis e meia.
— Que horas você marcou de caminhar?
— Sete.
— MAS ENTÃO POR QUE DIABOS VOCÊ ME JÁ ME ACORDOU, MULHER? TÁ LOUCA??
Pensei.
A reação verdadeira foi contida, leve. Porque não há muita força para lutar a essa hora do dia4. Fiquei deitado mais uns 10, 15 minutos indignado, morto, tentando dar sentido à existência… A Carol está ciente dos bons pensamentos pelos quais sou tomado quando me obrigam a acordar tão cedo. E lá foi ela fazer umas gracinhas para me animar. Me tirou um riso ou outro, uma animaçãozinha de uns minutos…
Chegamos ao maldito Parque. E lá estavam eles… Ah, esses seres desprezíveis! Na prática, foi eu avistar aqueles humanos vivos, saudáveis, felizes TÃO CEDO que me impeliu a escrever esse manifesto5. Se eles estavam vividamente caminhando àquela hora, isso significa que devem ter acordado AINDA MAIS CEDO, para dar tempo pelo menos de vestir uma roupa, escovar os dentes (espero!) e ir ao Parque. Mas talvez alguém tenha tomado um café, por exemplo… isso coloca o despertador lá pras 6 horas. Mas se ela mora longe, trabalha muito cedo, ou, pior de tudo, ela é dessas que quer mudar de vida mudando de rotina e iniciando novos hábitos para ser uma pessoa melhor e mais feliz e que faz tudo que manda o manual das pessoas melhores e mais felizes, é bem possível que, ai meu Deus, ela tenha acordado ANTES DAS 6 HORAS! Mas será o Benedito?!!6
A verdade é uma só: eu odeio essas pessoas! Se você é dessas, me desculpe, mas eu escrevo agora com um ódio profundo por você e seus amiguinhos. E dentre esses, que gostam de acordar ainda escuro, tomar banho, tomar café, alongar, meditar, sorrir, falar com as plantas, convidar os pássaros, ajeitar a agenda do dia, para, então, abrir a cortina pro maldito sol iluminar o quarto, a pior de todas: minha esposa7. (Aliás, teve isso também: um pouco antes de eu sair da cama, ela teve a coragem de ABRIR A CORTINA para que aquela “linda manhã” adentrasse nosso quarto. NOSSO quarto. NOSSO!). No Parque, a Carol me pediu algumas desculpas. A Manu, sua cúmplice de caminhada, me pediu desculpas. MAS EU NÃO DESCULPO! NÃO DESCULPO MESMO! Vá vá, sô8!
Enquanto eu voltava do Parque, fazer o quê, minha cabeça, ligada que estava, contra minha vontade, começou a me lembrar das obrigações do dia. Já passava das 7; eu estou miseravelmente fadado a pagar algumas horas no trabalho até o início de setembro. Portanto, devo entrar às 8 horas. Isso significa que não posso nem me dar ao luxo de voltar a dormir um pouco. Então vou escrever, o que, no fim das contas, é ótimo. Eu já tinha passado a última madrugada escrevendo. Sou um notívago inveterado. Agora, cá estou eu escrevendo de novo. Forçado, mas escrevendo. Devo acabar isso antes de começar a trabalhar. (O fato de ter escrito com certeza me deixará a ponto de ir trabalhar animado. Hmm…) E acho que ainda dá tempo de ver a agenda do tênis pro dia, assistir umas análise dos jogos… Acho que vou preparar alguma coisa para comer…
Caramba, até que o dia está rend… quer dizer… nada que justifiq… sim, eu tenho um texto, tenho uma crônica, estou mais calmo… MAS, E DAÍ?!! Não, não! Nem pensar! Para lá com essa de que manhãs são produtivas, o dia desenrola melhor. Nem vem! Vocês não vão me cooptar!
Eu, hein?!
Vou parar por aqui, isso sim.
Não sei quando vocês lerão essa joça. Daqui de onde e quando escrevo, só consigo desejar um “bom” “dia” (que de bom não tem muita coisa, e de dia, muito menos) cheio de aspas.
TCHAU!
NOTAS:
1 Eu deixei essa crônica guardada por um bom tempo, doido para ter coragem de um dia finalizá-la e publicá-la. O dia chegou.
2 Vocês sabiam que essa é a estranha e oficial forma de se indicar horas? Eu tenho sentimentos ambíguos com esse padrão. Mas, claro, isso não interessa nem um pouco (e por isso está aqui no rodapé).
3 Ah, mas isso não é vida! Não é mesmo.
4 Muito menos para dizer isso para minha adorável esposa (outro benefício de notas de rodapé é poder dizer essas bobagens por aqui, já que quase ninguém lê — mas a Carol as lê!)
5 Eu escrevi isso aqui no ano passado e só agora, depois de ter sido publicada minha segunda crônica no Escritor Brasileiro — “Manifesto rabugento contra as odiosas placas do Mercosul” — é que percebo a danada coincidência dos termos. Acho que eu tenho me manifestado demais. Aliás, hoje era para ter saído um texto mais alto astral (fica para a próxima); mas lembrei desse daqui e… bom, já são três textos bem azedos. De um cara de 32 anos.
6 Eu não tenho ideia de onde saem essas expressões no Brasil.
7 É mentira. Ela não faz tudo isso. Mas bem que gostaria.
8 Eu não tenho ideia de onde saem essas expressões no Brasil (2).

Paulista, formado em Economia, trabalha como escrevente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mora atualmente em Uberlândia/MG com Carolina, sua esposa. Começou a escrever tardiamente, por volta de 2018. Desde então, tem escrito mais a cada ano. Publicou contos, crônicas e poesias em antologias diversas.
10 respostas em ““Bom” “dia””
Baita mau humor ! E autêntico, pois sustentou até o fim !!! Rsrsrs
Gostei de ler. E vc tem um vocabulário bem amplo.
Com relação a horas de sono e hora de acordar, já me convenci que é fisiológico de cada um mesmo. Eu, por exemplo, independente do número de horas dormidas, posso sair da cama às 05h sem sofrimento.
[…] Se você leu minha última crônica (não leu? Que tal ler aqui!), eu sei que me terá por “hipócrita” agora. E o que é que eu vou […]
Mano, eu não consigo deixar de rir só de pensar em você falando tudo isso! É muito sua cara!kkkkkkkk…e eu adoro o dia, como vc sabe! É muuuito mais produtivo, e sim, vc quase se rendeu. Outra coisa: eu ri mais ainda das notas de rodapé hahaha
KKKKKKK Muito bom! Eu sempre digo que o meu horário produtivo é de 10h às 16h.
Olá Misael, boa noite, tudo bem?
Você me descreveu nessas poucas linhas kkkk. Como me irrita essas pessoas animadas e saudáveis logo ás 6 da matina. Mas não posso negar uma “inveja boa” ao ver toda essa animação e sinceramente a Carol está certissima meu amigo. Nós é que temos que nos adaptar rsrs.Parabéns , adorei .
Ai Misael, boa noite, tudo bem?
Você simplesmente me descreveu, como pode? Kkkk
Fico muitas vezes com uma “inveja boa’, se é que existe desses irritantes saudaveis e animados ás 6 da matina kkk.
Parabéns, adorei o mau humor kkk
Mas sabe que temos que mudar, a Carol está certissima infelizmente rsrs. Abraço.
Acho que o senhor está precisando de uma caminhada.
Querido Misael, não é fácil mesmo, estou há 18 anos acordando cedo (04h20min) e até hoje fico indignado como você, mas, ainda convivo com o conforto que o dia rende um pouco mais, mas não é verdade, kkkk
Que cara mais chato! Eu acordo todo dia às 04h, pratico meditação por 40min, tomo um belo café da manhã, vou à academia por volta das 05h30min e, só então, o dia começa pra mim!
Que crônica foda!