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Aprisionando momentos em reels

Eu ando tão sensível que me emociono com vídeos de trinta segundos do reels, principalmente quando são vídeos reais e não forjados para alcançar engajamento. Ao som de um áudio de violinos com o título “Senhora comemorando aniversário sozinha”, uma cena digna de uma crônica se desenvolve. Senti obrigação imediata de escrevê-la para revisitá-la sempre que possível.

Uma senhora de cabelos grisalhos e rosto gentil recebe de uma garçonete um bolo de chocolate e deposita no centro dele uma vela. Ascende e observa como quem aprova o próprio serviço e inicia sozinha um parabéns para você. Eu não ouço o som original porque a moda é substituir os sons do mundo pelas músicas da estação, mas imagino um parabéns tímido que vai ganhando força à medida que os clientes do restaurante vão se aproximando ao redor da mesa e acompanham a tão conhecida música de felicitação. Depois um a um carinhosamente a abraça e o vídeo encerra.

A maioria das pessoas arrasta o dedo para cima e se prepara para um novo vídeo, uma nova música, uma nova história. Eu não. Eu fiquei ali presa no rosto da senhora olhando a vela no centro do bolo. Antes de tudo. O olhar captado pela câmera de segurança.

E enquanto eu vejo o vídeo em looping, lembrei-me do meu medo antigo. O medo de morrer sozinha. Mas ninguém está exatamente sozinho nesse mundo. Eu repito isso em voz alta. Eu quero acreditar nessa ideia. Quero pensar que esse vídeo não foi forjado. Ou quero imaginar que foi sim e essa senhora possui uma família imensa para bater parabéns para ela ao invés de estranhos. Embora, boa parte da minha família seja formada por antigos estranhos. A luz do celular apaga. O meu pensamento continua, aprisionado, feito um momento de vida dentro de um reels.

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