“A mulher negra não tem lugar para erro, não pode errar. As oportunidades já são mais escassas. Então você já tem menos oportunidade para acertar e errar. E tem que estar sempre pronta” – afirmou a atriz Patrícia de Jesus, numa entrevista para a Revista Trip.
Estava folheando a tal magazine, inadvertidamente, para refrescar a cuca e descansar os olhos. Mas a mente ficou foi quente e as pálpebras se cansaram de sustentar o fardo de não poder falhar. Aguaram-se os dois, bem discretamente. Ao contrário do coração – este se abriu para dar vazão ao pranto que guardava há tanto tempo. E é ele quem escreve agora, molhado de sal e sangue. Breve, se algo de útil sair da catarse, convido a retina e o cérebro para virem revisar.
Sinto como um encontro mágico quando o texto de outrem expressa justamente o que vinha sentindo. Anseio por esses encontros, como solteira romântica aguardando paixão. São eles a minha paixão, afinal; e agradeço pelas letras não exigirem fidelidade.
Como em todo espetáculo de magia, assisto, com encanto e assombro, a algo inesperado aparecer diante dos olhos. Sei que o truque só acontece quando está bem preparado, que o aparente novo já estava guardado na manga antes do artista subir ao palco. Mas, como criança em domingo, não deixo de me maravilhar. Nem abro mão de voltar para casa tentando descobrir o porquê e o como daquilo ter acontecido.
Acho que é por isso que leio. E por isso que escrevo também. Para tentar ver e revelar aquilo que se guarda atrás das cortinas. Na plateia dos shows que frequento, há uma criança curiosa por descobrir o mistério do outro. No palco do meu circo, há uma adolescente buscando revelar os seus.
Há dez meses passo por um processo administrativo doloroso e exaustivo, na busca de comprovar inocência – e pense na palavra em todos os sentidos que lhe couberem. Trata-se de algo tão simples como entender a mínima (não poderia chamar de máxima o fato pueril): errar não é crime.
Mas a outra Patrícia está certa. Profunda e infelizmente certa. À mulher negra não é autorizado o erro.
E tem coisa pior. À mulher negra não é autorizada sequer a luta contra a injustiça. Não é autorizado pensar o novo e propor mudanças. Esses comportamentos compõe rebeldia e insubordinação graves. Isso não se perdoa. Porque toda mulher negra é braba, não é mesmo? Nervosas, elas, sempre. Por que será?
Além do cansaço – mental e físico, as sensações de impotência, insegurança (inclusive jurídica) e isolamento são minhas companheiras nesses meses. E, ao listar isso aqui, percebo que também são sentimentos comuns à rotina do feminino, especialmente do feminino não-branco. É óbvio, e ainda assim estranho, observar que toda experiência humana é política. Quando um aspecto particular da vida reflete e repete uma macroestrutura isso fica demasiado explícito.
No meio desta montanha-russa de sentimentos, desta avalanche de pensamentos, vez por outra emerge a pergunta: numa situação em que houve uma cadeia de condutas apressadas, que envolveu tantos homens em posição de decidir e que o fizeram sem zelo, por que uma justificada falha na ponta precisa gerar culpa à pessoa mais vulnerável e com menor autonomia do grupo? A única mulher envolvida? A única que se auto identifica como negra?
Porque a mulher negra não pode errar, né xará? Valeu por dizer. Obrigada pela clareza. Eu estava cansada também, agora percebo, de seguir perguntando sem obter resposta.

Formada em Comunicação e História, talvez por isso tenha uma necessidade visceral de comunicar suas histórias cotidianamente. Tem a leitura e a interpretação da vida como um hábito. Escreve na tentativa de entender o mundo, ao redor e o interno também. Nem sempre consegue, mas está decidida a continuar tentando.
Em 2021, criou um Instagram literário, participou de revistas, antologias e coletâneas. Em 2022, segue no mesmo caminho.
Tem livros publicados de maneira independente, todos disponíveis gratuitamente no Kindle Unlimited.