Quem lê poesia, sobretudo a poesia dita “consagrada”, essa poesia que está canonizada e que canonizou os seus autores, logo repara que os poetas consagrados tendem a publicar sua obra inteira ou toda a sua obra, seja em livros sequenciais ou antologizados, por uma mesma e única editora.
Por exemplo, a obra de C.D.A foi, por muito tempo, publicada pela editora Record. “23 livros de poesia”, antologia da obra poética do mesmo autor foi, não faz muitos anos, publicada pela Companhia das Letras. Esta mesma editora publicou, publica ainda, toda obra de Ana Martins Marques, a obra completa de Paulo Leminski, e também, embora ainda incompleta , a obra de Wislawa Szymborska, traduzida do polonês para o português pela maravilhosa artífice do transcriamento Regina Przybycien, que nos presenteou com três maravilhosas antologias da ganhadora do Nobel de Literatura.
A Editora Círculo do Livro publicou “Toda poesia”, não a do samurai malandro, mas a de um outro malandro das palavras, o maranhense Ferreira Gullar, ou pelo menos, toda a poesia que ele escreveu entre 1950 e 1980.
Já a editora Leya publicou a obra completa de Manoel de Barros bem como a editora José Olympio tem sobre a sua constelação editorial “A estrela da vida inteira”, obra poética escrita na inteira vida de Manuel Bandeira.
Isso também ocorre com a obra poética de Charles Bukowski, tendo sido publicada, no Brasil, em sua quase totalidade, pela editora L&PM. A Espectro Editora também tem cinco títulos do mesmo autor em seu catálogo, todos os cinco: livros de poemas.
O mesmo acontece com os 4 grandes haijins do haicai: Bashô, Buson, Issa e Shiki; todos publicados pela editora portuguesa Assírio & Alvim, editora esta que tem sob o seu preço de capa boa parte do que se conhece da literatura japonesa traduzida em português, incluindo aí “O Japão no Feminino – Tankas – século IX a XI”.
Não é diferente com boa parte da obra da haicaísta e poeta Alice Ruiz, onde 6 dos 21 dos livros escritos pela autora estão sob o selo da editora Ilumiruas; parece pouco, mas ainda existe aí uma constância, ou seja, uma espécie de relacionamento entre editora e autor.
Eu sei que são autores e autoras distintos um do outro, mas há para as obras dessas autoras e autores um projeto de capa e de design gráfico que segue um padrão; existe uma ideia de diagramação muito bem pensada que se repete em cada miolo; há toda uma linha e fio condutor editoriais, entende?
E eu ainda poderia ficar aqui citando e catando obras e mais obras poéticas que tem seus livros publicados pelo mesmo selo editorial com um projeto bem pensando e bem definido, mas acredito que já tenha me feito entender.
Agora, caríssimo e caríssima leitora, façamos um breve exercício de investigação do campo poético-literário-editorial de 2022: abra aí no seu navegador uma aba de navegação e entre no site ou circuito de poesia que te é mais próximo; escolha um artigo onde um autor ou uma poeta tenha escrito uma resenha literária sobre a poesia de outro poeta/autor que tenha acabado de lançar um livro de poemas. Desça até as minibiografias, tanto a do autor da resenha, quanto a do autor do livro recém-lançado e repare quantos livros cada um deles publicou. É muito possível que você encontre um textinho assim:
Beltrano Fulano de tal, poeta, contista e etc., nascido em data XXXX, na cidade Assim & Assado. Publicou livro Y pela editora Z, livro A pela editora B, livro N pela editora S e assim e adiante…
Ora, até entendo que os relacionamentos entre pessoas sejam líquidos como bem nos ensina Bauman, mas até os relacionamentos entre autores e editoras? Por que, diabos, os poetas vão pulando de editora em editora como as abelhas voam de flor em flor? Porque a editora dos poetas e autores contemporâneos nunca é a mesma do livro anterior? Porque o quando um autor do nosso tempo publica um livro por uma editora só publica este único livro sob o seu selo? São os autores que trocam de editora como quem troca de roupa, ou são as editoras que tiram os autores de seus catálogos como quem tira os sapatos?
Como é que funciona esse jogo mercadológico? A editora aposta em um autor e se ele não vingar é tacado ao lixo? Ou são os autores que apostam na editora e se o livro não vender logo é descartada a editora? Falta alguma coisa aos autores? Talvez consagração? Talvez capital cultural? Talvez uma página com cem mil seguidores no Instagram? Falta algo às editoras? Talvez confiança no que se está publicando? Talvez uma linha editorial mais dura e mais honesta?
Talvez, seja algo mais simples: vai ver foram as regras do jogo do mercado editorial que mudaram, afinal editoras pequenas não se comportam como grandes editoras e autores iniciantes não são autores consagrados.
Ou quem sabe seja só uma questão de Tinder Editorial, isto é, autor e editora dão um match, o autor publica seu livro e realiza o seu sonho, os editores ganham uma graninha sobre o preço de capa e acabou, cada um com seu rumo, a editora em busca do próximo autor, o autor em busca da próxima editora.
Não estou aqui fazendo o juiz ou o inspetor dos livros, obras ou editoras alheias, mas que é um curioso fenômeno editorial do nosso tempo, ah!, isso é…
3 respostas em “Curioso fenômeno editorial do nosso tempo”
O descarte, tão generalizado nesses novos tempos, contamina também autores e editoras.
Interessante a reflexão!
Encontre uma editora, atualmente, interessada em contrato de exclusividade com poeta, que eu concordarei com os argumentos.