— Trzysta trzydzieści trzy! Repita comigo.
— Trista…— Não. Repita: trzysta trzydzieści trzy!
— Não dá. Minha língua enrolou.
— Imagina, Sônia. Vamos lá: trzysta —
— Já disse que não consigo, professora.
Angustiei-me ao observar a minha mãe tentar e tentar até capitular. Guerreira persistente como poucas, ela não foi capaz de resistir ao “trezentos e trinta e três”.
— Sônia, não é tão difícil assim! Vamos, não desista.
Naquele sábado de manhã, a aula de polonês transcorria particularmente mal para a dona Sônia.
— Trista tri —— Não. Não é assim, Sônia.
“Não sei onde eu estava com a cabeça quando aceitei me matricular nesse curso! Essa língua é impronunciável”, a mamis desabafou algumas semanas depois.
O curso era, na realidade, impagável. Não só porque era de graça — oferecido pelo consulado polonês em São Paulo — mas também pelo nível abundante de situações engraçadas-desesperadoras que faziam nós, alunos das mais variadas idades, rirem histericamente — o famoso “rir de nervouser”.
Inocentes e empolgados com a cultura polonesa herdada do meu avó paterno Zygmunt Formicki, eu, minha mãe e meu pai, com planos de visita à família na Polônia, nem pensamos em pular aquele curso. Imagina! A experiência seria divertidíssima. E ainda sairíamos de lá falando polonês!
Mas por que divertidíssima?, você pode se perguntar. Vamos lá. Além de lições dolorosas e obrigatórias — como contar até trezentos e trinta e três —, precisávamos aprender a formular frases e a conjugar verbos, dentre outras necessidades gramaticais. Aí também residia a graça.
Começamos com o simples e útil verbo “ser”. Jestem — eu sou; To jest — isto é. Chegaríamos ao “Dzień jest piękny “— o dia está lindo. Que lindo!
— Vamos lá, Sônia. Trzysta trzydzieści trzy. Repita devagar.
Minha mãe fecha os olhos e respira fundo.— Não dá. Eu desisto, professora.
E assim, minha mãe, batalhadora que é, sucumbiu ao trezentos e trinta e três. Mas e eu?
Quando a professora pulou da mamis para a próxima vítima — eu —, informei-lhe:— Professora, estou com dificuldades ainda com o “três”.
— Sem problemas, Guilherme! Repita comigo: trzy!
— Trzy! — eu repeti em alto em bom som para a classe — Trzy! Trzy!
Três. O que aprendi naquele curso não foi exatamente a falar polonês. Nem sequer o numeral “trezentos e trinta e três” eu assimilei. Aprendi mesmo a começar pequeno. Especialmente no polonês.

Guilherme Formicki é escritor, arquiteto e urbanista. Desde pequeno, adora escrever. Na escola, ganhou seu primeiro concurso de redação ao escrever sobre uma nota musical presa dentro de uma flauta. Mais recentemente, sua coletânea Pranto e Outros Contos, disponível no Wattpad e na Amazon, ganhou o primeiro lugar no Concurso Diamantes Raros, segundo lugar no Concurso Fique em Casa e terceiro lugar no Concurso Literário Novos Talentos. Guilherme também publicou o conto “Eles” na revista LiteraLivre de Julho/Agosto de 2020.
Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) em 2016, Guilherme obteve o título de mestre em Planejamento Urbano em 2019 pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Lá, recebeu uma bolsa Lemann e ganhou o prêmio Charles Abrams pela dissertação mais comprometida com justiça social. Guilherme também trabalhou na Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SEHAB), onde participou da urbanização de 7 favelas e auxiliou mais de 74 mil famílias entre 2014 e 2016. Guilherme atualmente concilia a sua dedicação aos estudos urbanos com a sua paixão por escrever.
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