— Você já se sentiu entre dois lugares? — foi a provocação que o cronista Anthony Almeida fez numa mensagem, antes de me enviar sua crônica “Uma casa em Caruvenceslauru”.
— O tempo todo — respondi.
Mas ao ler a crônica recuo da minha resposta. Não é bem assim que me sinto. O Anthony, segundo ele, é “caruvenceslauruense”: natural de Caruaru, mas que mora em Presidente Venceslau. Eu sou natural de Berlim e moro em Pernambuco, mas não sou perlinambuquense. Não é que queira estar ao mesmo tempo lá e cá, como acontece com ele. Também não é que esteja com um pé lá e com outro aqui. Até porque o “lá” é bem mais complexo do que parece. Se eu fosse uma árvore, teria minhas raízes na Alemanha, mas meus galhos se dividiriam entre Panamá, Espanha, Portugal, México e Brasil. Outros ainda se estenderiam para Dinamarca e Áustria. Do galho brasílio sairiam ramos firmes pro Pará, Ceará e Pernambuco, onde continuariam em gravetos mais finos a Belém e Algodoal, Fortaleza e Jericoacoara, Aldeia, Recife e Olinda.
Na Alemanha nasci; no Panamá, na Espanha, em Portugal, no México e no Brasil já morei; na Dinamarca passava as férias de verão com meus avós e na Áustria, as de inverno. Cada um desses lugares deixou suas marcas. Embaixo da minha pele trago lembranças – algumas vivas, outras sutis – de afetos, cheiros, sabores, paisagens, sorrisos, leituras e aventuras de cada um deles. São tatuagens invisíveis, feito camadas em suaves anéis por trás da minha casca.
Mas também não é que eu queira estar em todos esses lás e aqui, ao mesmo tempo. O meu se-sentir-entre-os-lugares é outro. São muitos lugares. E de alguma forma estou em todos eles e todos eles estão em mim. Ao mesmo tempo, sinto que não pertenço a nenhum. Minha árvore interna está cheia de ninhos abandonados. Todos eles já foram meus e não são mais. Não encaixo mais – nem lá e nem cá.
Estar entre vários lugares é não estar em lugar algum. É estar flutuando suspensa no meio de todos eles. É ter raízes áreas.

Yvonne Miller é natural de Berlim, mas mora no Nordeste do Brasil desde 2017. Tem crônicas e contos publicados em coletâneas e antologias, como Paginário (Aliás, 2019), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck, 2021) e Crônicas de uma Fortaleza obscena (Territórios, 2021), assim como na revista literária feminista Laudelinas, entre outras. É uma das organizadoras da coletânea de contos Quando a maré encher (Mirada, 2022). Participa do coletivo de cronistas nordestinas @teardehistorias e tem uma coluna quinzenal no blog do selo Mirada. Escreve também literatura infantil e, além de ficcionista, é autora e redatora de livros escolares. Atualmente mora no interior de Pernambuco, junto com sua esposa, enteada, gato e cachorro.
Instagram: @yvonnemiller_escritora
Uma resposta em “Raízes aéreas”
Adorei! Ninhos abandonados numa árvore interna de raízes aéreas – baita imagem(ns) que comunica(m) forte e, acho eu, exato. Parabéns!