Ninguém está livre de traumas. E eu podia parar o texto por aqui. Isso é tudo que sei. Além disso, seriam só elucubrações. E serão. Porque sou atrevida o suficiente para cometê-las.
Creio que os primeiros são os piores.
Comecemos pelo parto. Não gosto nem de lembrar. Ainda bem que não lembro mesmo. E espero que você também não. Mas ele aconteceu e marca nossa história até hoje, sem que você, nem eu, saibamos como.
Imagine aqueles primeiros dias. A luz atravessando cada vez mais diretamente nossa retina, o som sendo ouvido sem nenhuma barreira de proteção. Ter de fazer força para engolir e de repente sentir uma gosma quente saindo por buracos que a gente nem tinha percebido que tinha. Acordar sozinho, com a barriga para cima, com a sensação de queda livre. Deve ser bem traumatizante, né não?
Não só as primeiras de todas, mas as primeiras de cada experiência também são bom campo para a concretização de traumas. O primeiro dia na escola, o primeiro tombo de bicicleta, a primeira festa, o primeiro beijo, o primeiro porre, a primeira transa. Tudo isso é inesquecível. Para uns, porque foi maravilhoso. Para muitos, porque foi traumático.
O clássico dos traumas é a mãe. Coitada! Não conheço pessoa que não possa afirmar alguma, nem que seja mísera, fissura relacionada à genitora. Deve ser por isso o foco de Freud, também, nesse personagem. Antes de fazer terapia julgava isso um absurdo. Como assim tudo é culpa da mãe? Depois da primeira sessão em que tratei do tema entendi.
Uma dica? Perdoa logo e segue sua vida. Porque errar todo mundo erra e ela, pelo menos, tinha muita intenção de acertar. E porque é impossível conviver tanto tempo com uma pessoa e não passar por uma ou duas situações traumatizantes. Acontece. Aconteceu. Resolva-se e siga.
Outro causador de delícias e dores é o tal do amor. Ah, l’amour! Todos queremos, todos sentimos, todos vivemos e todos nos fud3m*s. Infelizmente, não só no sentido legal da expressão.
Todo mundo já deu ou tomou um pé na bunda. E, sim, acredito que todos prefiram entrar com o pé do que com a bunda na história, mas é ruim para os dois. Todo mundo já se apaixonou sem ser correspondido. E, sim, cada um lidou de uma forma diferente – escolhendo entre alimentar ou acabar logo com a palhaçada, mas de todo jeito foi chato. Djavanizando um pouco: “não existe amor sem medo”, e sentir medo em si já é um puta trauma.
Tem um tipo de trauma que pode calhar de ser uma observação muito particular; mas você, talvez, concorde comigo. Você acha que os sonhos são reflexos e fontes de traumas? Eu acredito que sim.
Sonho muito. Dizem por aí que todo mundo sonha, toda noite, mas fato é que escuto bem mais “eu nunca lembro dos meus sonhos” do que “menina, essa noite tive um sonho daqueles”. Eu sonho e lembro. Tenho sonhos recorrentes e, para mim, traumáticos. O campeão de bilheteria é o de estar sendo traída pelo boy com uma grande amiga. Também sonho que o chão some, que estou sendo roubada, que corro em câmera lenta, que os dentes caem e por aí vai. Clássicos! Sou mediana e normal.
Pode-se tentar entender o que significam cada uma dessas coisas, como eu me sinto em relação a elas, mas não é esse o objetivo aqui. Queria só falar que acredito nascerem meus sonhos como resposta a eventos traumáticos e que revivê-los, ainda que dormindo, são dores em si.
Ah, por falar em sonho, no sentido de desejo a realizar, esse também pode provocar severas fissuras na alma. O jeito é sonhar com o possível, não perder o foco e correr atrás de realizar? Mas como sonhar só com o possível? Seria uma covardia, uma chatice, né? Prefiro o trauma.
Aliás, chego aqui na razão do texto. Abraçar as experiências dolorosas e fazer carinho nelas. Porque delas não há como fugir, por mais que se tente. O jeito é aceitá-las, entendê-las e superá-las. Ou, talvez, esse último não. Porque foram elas que fizeram de mim quem sou. Foram elas que me ensinaram a me cuidar, que me ajudaram a criar casca, que me mostraram haver um limite entre o eu e o outro. Foram elas que me ensinaram a tristeza, a melancolia e a dor tão necessárias ao humano quanto a alegria, a esperança e o amor. É isso: vou fazer carinho nas feridas e cuidar dos meus traumas, exatamente como eles veem cuidando de mim.

Formada em Comunicação e História, talvez por isso tenha uma necessidade visceral de comunicar suas histórias cotidianamente. Tem a leitura e a interpretação da vida como um hábito. Escreve na tentativa de entender o mundo, ao redor e o interno também. Nem sempre consegue, mas está decidida a continuar tentando.
Em 2021, criou um Instagram literário, participou de revistas, antologias e coletâneas. Em 2022, segue no mesmo caminho.
Tem livros publicados de maneira independente, todos disponíveis gratuitamente no Kindle Unlimited.