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Zefa

Ter muito amor e pouco dinheiro pode ser problema. Para Zefa era, mas ela mesma não achava.

Era esperta, mas tão ignorante que chegava a não perceber seu próprio fardo. Ignorava o que uma criança de cinco anos na cidade sabia de cor: camisinha, medo dos outros, doenças da alma.

Tinha 38 anos, mas não sabia, e onze filhos. Todos soltos, ao contrário de Zefa, que só conheceu liberdade quando Antônio gostou dela e a tirou de casa.

Era um marido maravilhoso. Trazia sustento e dava carinho.

Nada faltava: tinham todos duas mudas de roupa para o dia-a-dia e outra para festejos; uma refeição diária também era certeza. Houve tempos com duas, até três.

O carinho, Antônio tentou conter. Tirou Zefa menina de casa e queria esperar até encaderar para pedir os deveres da esposa. Zefa teve fogo e pressa. Pouco antes dos dezessete, deu à luz ao primeiro menino.

Depois da primeira noite, Zefa tornou-se devota de Santo Antônio. Pelo nome do marido e pelo fato de ter marido. Achava Antônio bonito. Sentia uma alegria sem tamanho com ele perto e uma saudade arretada quando ele demorava longe. Antônio não sentia essas coisas; gostava do jeito dela e pronto.

Sete Marias, quatro Josés, uma Zefa e um Antônio: essa era a família Costa, que morava em uma casinha de barro. O banheiro ficava de fora, assim como o antigo engenho e o quartinho de guardar as coisas grandes. Tudo no pé da serra, perto de um rio que vez por outra secava.

O bom de ter filhos crescidos era que eles podiam ajudar o pai na roça. Seria bom mais homens, mas as meninas eram fortes também. O problema mesmo é que a terra andava ficando fraca, o rio andava secando muito e meninos crescidos perguntam demais.

– Pai, Deus que escolheu quem fica com cada pedaço de chão?

– Não, menino, a gente compra.

– De quem?

– Do dono.

– E quem é primeiro dono?

– Quem vê primeiro.

– Vamos procurar uma terra boa que ninguém viu ainda?

– Tem mais não, menino. Acabou tudo.

Na verdade, Antônio tinha medo de sair por aí e acabar perdendo aquele pedacinho. Melhor terra ruim que nenhuma. Nem pensava que, dividindo, já já aquela ali seria nada. E que os filhos teriam de ser mais um daqueles passantes, dormindo no quartinho de entulho dos outros.

Antônio não pensava muito. Sentia. O Sol, a fome, o calor, a brisa. E uma alegria que ele nem sabia o porquê.

Talvez, amar muito e pensar pouco sejam sejam o segredo da paz.

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