Já passei pelo turismo receptivo, que me teve de volta.
Aprendi a classificar as minhas amadas pedras preciosas.
Durante seis anos me tornei uma gloriosa assistente de uma diva global.
Atuei em galeria de arte e em ONGs.
Fui Assessora de Imprensa da Fiocruz, uma das instituições de que mais me orgulho no Brasil.
Vendi roupas, joias e bijuterias. Sorte que minha mãe não se encontra mais na terra.
E houve o jornal O Povo no meu caminho profissional, em 1998.
Como eu era feliz naquela redação decadente.
Lá ganhei amigos, arrumei namorado e, acima de tudo, conheci a cidade partida que a maioria dos cariocas da bolha não vislumbra que exista.
Até desmaiei, depois de um dia inteiro na rua, andando no carro velho do periódico para cima e para baixo, sem tempo para almoçar nem beber água.
Subir morro com o tiro comendo solto, adentrar delegacias, ouvir a frequência da polícia num rádio clandestino são coisas que com certeza alteraram meu DNA burguês.
As idas ao IML, que, naquela época, ficava na Avenida Mem de Sá, perto da redação? Já entrava lá sem precisar me identificar.
E quando me encantei pelo trabalho da perícia?
O frisson tomava conta do meu ser quando o perito chegava num carro tão velho quanto o do jornal para descobrir se a morte era por tiro, facada, pancada e por aí vai.
O profissional pegava um graveto qualquer e começava a fuçar o corpo sem vida para calcular o calibre da arma, a profundidade do corte.
O que não foi o primeiro assassinato que cobri? Mataram um pai de santo no Shopping Sendas em São João de Meriti e lá estava eu no meu plantão da noite.
Quantas idas ao Alto da Boa Vista para procurar um novo defunto para ilustrar a capa do jornal.
Um corpo feminino esquartejado e espalhado por locais diversos como um quebra cabeça.
Já entrei em comunidade dominada por três facções.
E, numa certa madrugada, eu, uma Patrícia, fui levada para a entrada do Complexo do Alemão e me deparei com uma kombi a minha frente cheia de corpos ensanguentados. E com um recado do Comando Vermelho escrito em sangue nos vidros do veículo. Parecia uma cena do Castelo das Bruxas da vida real.
Uma realidade paralela, terra de ninguém, que existe desde os anos 1980 na Cidade Maravilhosa e que a elite finge não ver. Nessa década, as milícias nem apareciam nos noticiários, recheados de sequestros e assaltos a bancos.
E para não perder meu título de burguesa, merecido, diga-se de passagem, fui convidada a criar uma coluna de moda no jornal. Eu falava mal de todo mundo. Recebia até cartas na redação, pedindo para pegar leve. Mas, não conseguia perdoar os tops com calças de lycra apertadas, que faziam as mulheres parecerem um salame amarrado.
Agora, um dos melhores momentos da minha existência, o Povo me proporcionou.
Cobri um show do Fábio, o eterno Jr., em São Paulo. Uma gravação de fim de ano da TV Bandeirantes. Tomei um chá de cadeira ao ficar horas confinada num teatro. Ouvi o homem cantar com umas 20 mulheres. Mas, cada segundo valeu uma vida. No final, meu ídolo eterno recebeu jornalistas no camarote.
Entrei num estado catatônico que não me permitiu fazer sequer meia pergunta. A ponto do Fabinho, depois de tudo, querer saber o que tinha acontecido.
E aí saiu a frase mais idiota da história do jornalismo.
– Eu simplesmente não consegui. Sou sua fã e você é muito fofo. Cuspi as palavras como se tivessem me dado um tapa e eu voltasse à realidade.
Por conta desse momento de me despir na frente do meu maior ídolo, recebi um afago no sentido literal.
Fábio Jr. me deu um aperto no cangote que sinto até hoje repuxar.
E definitivamente o cara tem pegada.
Pai herói!

Carioca da gema, na menopausa e moradora de Ipanema, bairro onde habita o meu coração,
sou formada em jornalismo com Pós-Graduação em Comunicação Social.
Aprendi a amar a língua portuguesa por volta dos 11 anos, nas aulas de português da escola.
Faço redações desde os tempos do Colégio Santo Inácio e guardo meu “caderno de criatividades” de 1983, que tanto me estimulou a escrever, até hoje.
Crio crônicas para aplacar o tédio existencial que teima em me perseguir desde a adolescência.
Vem comigo bater uma perna e dar uma volta. Jogo rápido.
2 respostas em “Uma burguesa do Povo”
O jornalismo é tão irreal, passamos por cada e somos remunerados tão pouco. O que fica? As experiências .
Nossa!! Que aventuras tu passastes, hein, Thereza!! O trabalho de jornalista não é todo esse glamour como dizem, e tu é a prova disso.
São histórias que os papeis e os microfones não contam e essas que tu vistes é a verdade nua e crua.
Mas essa do Fábio Júnior foi bem marcante mesmo. No meu caso, fiquei ao mesmo tempo feliz e nervoso ao mesmo tempo quando participei de um documentário a respeito do futebol gaúcho devido ao livro que escrevi sobre o clássico da minha cidade, o Bra-Pel lá em 2008 junto com outro cara. Todos aqueles holofotes e eu demorando a falar, mas quando falei, consegui uma boa desenvoltura.
Como se diz por aí, uma boa prosódia pode salvar uma carreira abrindo portas pra novos papéis na vida.
É isso, Thereza. Um grande abraço e até a próxima.