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Sua arte é instagramável?

Se a resposta para esta simples perguntar for negativa, corra. Corra para as montanhas onde ficam os restos da arte que se passou. A nova arte tem que impactar, tem que gerar reações, não pode mais levar-nos a uma reflexão mais lenta, deixar o ar da dubiedade. Ela tem que gerar reações das redes.

Das amizades, proximidades e relacionamentos instagramáveis, a arte também entrou nessa seara. O que chega a nós espectadores? A banana que é pregada na parede, o quadro em branco que o artista não pintou e disse que é sim, arte. Isso é o que dá audiência, dinheiro e visibilidade. O artista com certeza faturou muito com o quadro em branco.

Já não basta mais horas de estúdio, ateliê, anos de dedicação ou horas na frente do computador escrevendo aquele livro que vai terminar em dez anos. A arte também entrou no imediatismo e nos likes das redes. Seu estudo, aquele suor para sair uma tela que preste, e várias que você gastou para imprimir uma técnica que acredita ser inovadora não adiantarão se não tiver seguidores.

Você apenas se transformará em um artista instagramável de respeito quando começar a citar frases de Clarice Lispector, que nem sempre são dela, mas você é instagramável, pouco importa. Seu ápice será nas críticas ao Paulo Coelho, infalível entre os instagramáveis de sucesso, te dará mais leveza em sua arte e aquele almejado ar de intelectualidade.

E se o impacto da sua arte é negativo, melhor. E em alguns casos discurso de ódio te fará cair nas (des)graças do povo. Este estará ansioso para ver seu fracasso e bate bocas. Quando mais negativo for o impacto, mais você lucrará. Seu corpo e sua vida também são vendidos nesse pacote instagramável.

Seu corpo tem que caber em um belo filtro, posar com aquele livro que vai lançar para falar as maiores mediocridades possíveis. Corpo padrão, filtros ideais e se acrescentar uma bela polêmica, melhor ainda.

A arte instagramável também escolhe tipos de corpos, cores e classes sociais. A arte dissidente até chega ao mundo instagramável, mas precisará se adequar ao exótico, plástico, irreverente e à extravagância de seus clichês. Romero Brito se encaixa aqui? Corpos dissidentes e cores várias entram no grupo de exótico, são obrigados a quase serem antropólogos de si mesmos, já que o público os coloca em um grupo a parte.

O artista negro, nordestino, lgbtqiap+, entre outros, têm que se limitar às suas vivências? Ou apenas lhes cabe a arte regionalista, racial ou algo que beira a biografia? Sim, a arte universal os exclui, no universal apenas cabe o branco, magro e da elite. Esse sim é livre para escrever o que pensa, mesmo que esse pensar venha do esgoto.

Na Flip de 2022, a escritora argentina Camila Sosa Villada fez uma provocação que nos cabe a todos: “Se dizem que eu só posso falar de mim, me tiram o direito de fazer ficção. Mesmo dentro dos ativismos, cansei de ouvir travestis dizer que temos que escrever o nosso testemunho, e eu dizia, não, temos que escrever o que quisermos”.

A arte deve ser o que demandarem dela. Livre. Bem, essa liberdade também dependerá do quanto você engaja ou se o mercado da arte te acha viável economicamente.

Que isso não sirva de prenúncio, já que não tenho tempo para bolas de cristal e também quero que este texto impacte. Impactaria mais se eu falasse que o Vargas Llosa é fascista e Monteiro Lobato racista. Talvez em um próximo texto. Agora tenho algumas publicações para fazer e impulsionar meu feed para conseguir mais seguidores. E não esqueçam de me seguir lá: @carloscarubelli.

2 respostas em “Sua arte é instagramável?”

Recentemente li um livro do Nicolas Cole falando sobre o uso das redes sociais como forma de feedback mais rápido para o nosso trabalho como escritor. Ele compara as opções de feedback que temos hoje (redes sociais, etc.) com o feedback que os escritores tinham no passado (folhetins e outros meios bem mais lentos). Vendo como forma rápida de feedback e não se prendendo a ansiedade de likes e mais likes, o uso das redes sociais e afins parece uma forma bem interessante de compartilhamento do nosso trabalho.

Ótima crônica.

Também escrevi uma crônica com teor semelhante a sua que inclusive está listada na seção “Você também vai gostar”. Segue o link para Entre a Monalisa e as ‘dancinhas’ – https://escritorbrasileiro.com.br/cronica/entre-a-monalisa-e-as-dancinhas/

As redes sociais são um desafio e tanto pra pessoas como nós. Eu mesmo só comecei a escrever no Facebook depois de muito meditar sobre os perigos que esta rede nos proporciona.

Te confesso que escrever lá é como tu patinares no gelo ou botar pneus secos numa pista molhada. Precisa de uma habilidade de Barrichello na Alemanha em 2000 pra ter êxito.

Já estou nas montanhas neste caso porque não tenho Instagram. Mas como diz Bob Dylan, os tempos mudaram e querendo ou não é preciso mudar com eles.

Ou fixa residência na montanha pra sempre. Esse é o preço.

Um abraço e até a próxima.

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