Li ontem uma crônica perfeita. Ela me levou para um lugar confortável, cercado de imagens bonitas, com cheiro e memórias. E quando eu estava me sentindo bem naquele lugar, segura como na música do Engenheiros do Havaí, dancei, era pegadinha. A crônica me deu uma sapatada na cabeça, arrancou as cobertas, puxou o band-aid e fiquei ali, com frio e perplexa.
Hoje amanheci com o telefone apitando, o grupo do trabalho cheio de mensagens de parabéns para uma colega, uma festividade em forma de emojis e figurinhas. Você é jovem, repetem linha após linha. Cercam a menina de abraços virtuais, colocam no colo, realçam sua beleza eterna e, sem esperar, alguém relembra a personagem Dona Hermínia, do ator Paulo Gustavo, dizendo que bom mesmo é ser jovem, porque ser velha é péssimo. A gente ri da piada, acha graça na sapatada que dão na cabeça da colega. Temos a mesma idade agora. A juventude fez bodas de prata.
Converso com minha sobrinha essa manhã pelo aplicativo de mensagens. Ela digita rápido, exige que minha vista cansada dê conta de processar as inúmeras letrinhas. Não me rendo à presbiopia, sou contra as regras e os óculos, afinal sou jovem. Eu e a personagem do Chico Anysio, Deus o tenha! No final da conversa, acho que Ana namora Beca, que veio da região norte montar karts, e abandonou André, que namorava Ana e agora vai se casar com alguém que ainda não sei quem é. Não tenho figurinha para expressar o quanto isso foi rápido, até que, pá! Rio com meus emojis (cringe. old school, datados) da confusão que fiz na história. Ser jovem é outro papo!
Entrei na livraria anteontem e estava lá uma mesa de livros aleatórios reunidos de forma convidativa, uma espécie de autoajuda para escritores e psicanalistas. Sorrio ao reconhecer o nome de Ursula K. Le Guin na miscelânea, num livro que não tem nada da sua famosa ficção especulativa. Se chama Sem Tempo a Perder, basicamente reflexões retiradas do seu blog. Enquanto leio a contracapa sinto de novo a sapatada: “deixem que a idade seja a idade. Quanto mais longa for uma vida, mais dela será velhice.”
Eu não sei escrever uma crônica perfeita como a que li ontem. Uma que, assim como a vida, coloque a todos em suas zonas de conforto, aconchegados em palavras bem escolhidas, em trabalhos estáveis, com privilégios de classe média. E, no instante final, traga à lembrança que, assim como na vida, os bons textos te tiram da zona de conforto e te dão sapatadas na cabeça, porque a vida passa, e ninguém é eternamente jovem, mesmo que faça harmonização facial.

Arquiteta e Urbanista, criadora do blog Sabático Literário, do canal do YT Lendo de Tudo um Pouco e integrante do Coletivo Escreviventes. A Professora da Lua é seu primeiro livro infantil, disponível em e-book pela Amazon. Tem textos publicados em revistas e antologias. Seu perfil no IG traz resenhas de livros, filmes e pensamentos. Nascida em 1975, é carioca e vive com o marido, dois filhos e seu cãozinho Byron.
Uma resposta em “Para fazer uma crônica perfeita”
Pois é, ainda estou a procura da tal crônica perfeita, heh, heh. É que as vezes aquelas excelentes histórias dos grandes autores te acordam pra realidade.
Como diria o mestre King, tu podes um dia chegar ao máximo a parte competente da pirâmide, mas pra ser um gênio nesses momentos, precisa ser meio um Max Verstappen da vida.
Não digo que sou velho, digo que sou experiente. É a melhor coisa a fazer quando acontece isso, mas a sobrinha ou a afilhada ou a filha aparecem pra te dizer o contrário.
E a vida segue. Um abraço, colega escriba.