DESDE PEQUENO sempre gostei de jornal. Lembro-me das manhãs de domingos, quando minha mãe vinha da rua com a sacola de pão na mão direita e na esquerda o nosso periódico semanal. Ela chegava no portão e, antes que surgisse a pergunta, ela o erguia como um estandarte. O seu sorriso era como de quem tivesse obtido uma grande vitória. Em dias chuvosos ele vinha enrolado dentro de uma sacola plástica. Percebi deste então que o jornal era alimento perecível.
Durante o café cada um pegava a parte que lhe era mais palatável. A mesa da ceia sempre posta, mamãe ia repartindo entre nós a comunhão do pão e uma parte da gazeta. Meu pai comia o caderno de esportes, enquanto dona Lete degustava a revista que tratava das questões culturais, das novelas, horóscopos e bastidores. Reservavam para mim a parte das tirinhas: Recruta Zero, Hagar: o Horrível, Charlie Brown e Snoop.
Junto com o meu crescimento, veio a necessidade de aperfeiçoar o gosto pela leitura e a busca por outros cadernos do periódico. Era uma luta renhida para conseguir um pedaço da parte de esportes do meu pai. Na maioria das vezes eu só conseguia saborear a parte depois do almoço, quando as informações já estavam quase azedas.
Durante a semana eu compunha o grupo seleto de pessoas que ficavam à beira da banca do seu Miguel degustando as principais matérias que vinham nas capas dos jornais. Todas as tribos se encontravam naquela mesma ilha. Tinha os amantes do Jornal dos Esportes, de O Dia, Extra e do O Povo (que eu não tinha autorização para ler), segundo o meu pai “o jornal pingava sangue”. A capa sempre vinha recheada com fotos de pessoas decapitadas, corpos carbonizados, esquartejados; perfurados de bala. Uma barbárie!
Hoje, na pós-modernidade, era do digital, o jornal de papel é quase um dinossauro extinto. Nem nas peixarias, encontra-se como antes, o baluarte da informação. As notícias, artigos e opiniões apuradas e afinadas pelo diapasão da experiência e do compromisso, estão perdendo espaço para os feeds, stories, status, tweets e fake News.
Sempre que passo perto de uma banca, de maneira involuntária olho para o balcão da majestade e percebo, com tristeza, que o imperador dos periódicos foi destituído, e que no seu lugar impera inúmeros potes de doces, caixas de fone de ouvidos, araras com cabos USB e porta-cartões. E lá no cantinho, na parte nem tão visitada assim está ele, com todas as suas cores e fontes especiais. Mesmo ali, em um espaço menos glamoroso, o jornal impera. E eu, sempre me curvo diante de sua imponência.

Cidadão carioca, apaixonado pelo Botafogo e suburbano mesmo, com orgulho. Morador de Costa Barros, preto, sim senhor! Pai do Matheus e da Baleia. Marido [amante e namorado da mesma mulher], cronista, professor de Língua Portuguesa, jornalista em formação, aluno da escola da vida. Amante de boa música, boas leituras, séries e conversas. Escreve sobre o que pensa sem medo, mas com responsabilidade. Gosta do exercício de se colocar no lugar do outro. E acredita que por não existir perfeição debaixo do sol os rótulos são apenas metáforas.
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6 respostas em “O jornal”
Muito boa a forma como esse cronista se expressa.
Gosto muito de sua crônicas sempre nos fazendo lembrar de coisas boas !!!
É vdd!! Quantas coisas boa e saudável tem se perdido. Quantos de nós “treinava” a leitura em pedaços de jornais kkkk fora as famosas tirinhas que eram um verdadeiro sucesso.
Jornas são nostálgicos, mas necessários.
Amei a crônica!
Em tempos de Fake News ler o conteúdo informativo de uma fonte confiável é um alívio minha amiga.
Não é só tu que curva diante da imponência de um jornal, meu amigo. Eu também.
No meu caso, mais ainda porque quando era pequeno e até os 2 anos e meio eu não falava nada nem reagia devido ao Asperger (ou se preferir, autismo leve) que descobri depois, minhas primeiras palavras foram de um jornal de Porto Alegre, o Zero Hora.
Depois fui pra faculdade de História da Universidade Federal de Pelotas e os jornais foram minha constante (Diário Popular e Diário da Manhã) nas pesquisas bibliográficas e até cheguei mesmo a ter coleções deles, em especial o caderno de esportes da Zero Hora que era muito bom.
Lendo sua crônica me faz lembrar daqueles velhos tempos. O jornal impresso para nós sempre terá seu valor. Um grande abraço.
Que legal meu amigo! Até hoje não consigo seguir o dia sem ler pelo menos dois diferentes.