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O dia em que me vi bonita

Sou de uma família de pessoas fisicamente bonitas, segundo os padrões da sociedade ocidental. Minha mãe foi um exemplo do ideal de beleza de sua época: busto generoso na mesma medida dos quadris e uma cintura fina de pilão. Um corpo violão, cantado e decantado nos anos dourados. Medidas perfeitas de Martha Rocha (nossa Miss Universo 1954).  Só cabelo negro era excessivamente liso, o que se resolvia com a aplicação das aclamadas “permanentes”, criando uma Marilyn Monroe morena. Parecia mesmo uma atriz de cinema. 

Eu não puxei esse lado da família. Embora tenha os seios fartos como os de minha mãe, a cintura é grossa e o quadril, estreito, herdados da descendência germânica do lado paterno. Os cabelos, ah sim, são encaracolados naturalmente. E cheios. Muito. Demais… Na minha adolescência, os tempos eram outros. A moda era os extremamente lisos em corpos anoréxicos, de busto estilo tábua, inspirados nas modelos das passarelas europeias. Definitivamente, não me encaixava. 

Eu tinha 12 anos quando fomos passar férias na praia de Peruíbe/SP, com minha tia e primos. Dias de sol intenso, ninguém ainda se preocupava com protetor solar. Na terceira noite da viagem, os adultos permitiram que eu, meus primos e mais dois amigos que fizemos na Pousada fôssemos, sozinhos, à sorveteria. Esta é uma lembrança vaga, onde os detalhes não estão bem definidos, mas o que me lembro com clareza é do momento em que me arrumava e me olhei no espelho. Vi uma garota bronzeada, poucas sardas brejeiras no alto das bochechas, os cabelos úmidos, cacheados, mais claros que o normal pela ação do sol, modelando um rosto sorridente. Meus óculos de miopia, de aro de metal modelo Ray Ban (não originais), embora com lentes fundo de garrafa, me pareceram, pasmem, charmosos! Nunca havia me sentido tão bonita. Lembro-me perfeitamente de ter sido mimada e cortejada pelos meninos durante todo o passeio. Talvez pelo fato, penso agora, de ser a única menina do grupo. Não havia, para mim e para eles, o fator comparação, esse jogo cruel ditado pelas sentinelas da beleza. Ou talvez, naquele espelho de banheiro, tenha passado magicamente, um raio de autoconfiança. Guardo até hoje, num cantinho precioso do meu coração, aquela sensação de poder e amor a mim mesma. 

Muitos anos depois, li em uma revista sobre essa beleza que vem da autoestima, que ignora qualquer molde ou regra. Alguns seres de sorte já nascem com ela. São aquelas pessoas sobre as quais a gente costuma pensar: ela não é propriamente bonita, mas tem um charme, alguma coisa que não sei o que é… 

Que bom que os novos tempos têm trazido uma diversidade de modelos para encaixar muito mais gente. Ainda há longo percurso a caminhar, mas algum dia, acredito, entenderemos, como sociedade, que não há normas fixas e que cada um é belo a sua maneira. 

Uma resposta em “O dia em que me vi bonita”

Aqui existe um ditado. Beleza nunca se pôs na mesa e acredito que todo mundo tem a sua, só as maneiras é que são diferentes.

Fico feliz por sua boa autoestima. A minha só descobri depois da minha experiência de quase morte a três anos. Embora ainda tenho muitos caminhos a percorrer pra entender qual beleza se encaixa comigo. O carisma, talvez?

Boa crônica.

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