Nasci de parto natural, praticamente antes de o médico chegar, despida de roupas, opiniões, crenças e regras sociais.
A partir dessa ruptura, deixei de estar nua.
Além das roupinhas, os horários para mamar, dormir, a forma que comecei a ser educada foram as primeiras vestimentas do meu âmago.
A minha personalidade é a mistura de posicionamentos próprios com o que fui absorvendo no meio em que convivi – familiar, entre amigos, no trabalho…
Ao longo da vida, a alma passa a usar blusa de manga longa, gola alta, calça, botas, máscara e uma venda nos olhos, enxergando pelas frestas uma vida acinzentada.
Nem sempre é fácil tirar a roupa: o choro grita agudo como aquela bebê que soluçava ao nascer. E a alma vai se revelando e abandonando as personagens.
O autoconhecimento é essencial no strip tease: na dança, lentamente, a venda revela o olhar, a máscara é substituída por um sorriso, as peças de roupa vão sendo tiradas, até não restar nada, e, ao mesmo tempo, tudo: a alma na sua pura essência.
Há quem prefira nunca se despir, por vergonha ou medo; há quem queira despir o outro sem se revelar – uma das formas de manipulação, que deixo para os profissionais da área da saúde explicarem.
Minha alma há tempos usava roupas com certa transparência. Estava vestida, mas nem tanto: tecido esvoaçante, capaz de exalar meus anseios, ainda que permanecessem contidos.
Há algum tempo, aprendi a não me importar com o que pensam sobre a minha nudez: cada peça tirada revela camadas mais profundas, repletas de fragilidades e imperfeições.
Encarar uma alma nua não é fácil: há quem deseje que eu me vista novamente; há quem queira aprender a se despir também.
Na nudez não existe filtro. Ser admirada nesse estado é fascinante.
Apenas por precaução, carrego um casaco leve, que sempre esqueço de usar quando estou ao lado de quem merece.

Paulistana, nascida em 1980, mãe da Beatriz, formada em Direito e servidora pública da Justiça Federal.
Alexandra, Alê, mãe, filha, irmã, tia, amiga, assessora jurídica, apaixonada por gatos, companheira de passeios, colo para os momentos tristes, corredora nas horas vagas, devoradora de livros e de chocolates, apreciadora de vinhos e de música, escritora…mulher. Carrega sonhos, frustrações, realizações, planos para o futuro, desejos e uma vontade imensa de seguir os anseios da alma.
Escrever é a melhor forma de se expressar, organizar as ideias, aclarar sentimentos e distrair.
Publica no @umamulhersentiu e é colaboradora em alguns sites, como Nossas Palavras e Escritor Brasileiro.
4 respostas em “Nua”
Verdade, Carina…obrigada! 🩷
Em todos esses anos nesta estrada literária, nunca tinha visto uma crônica sobre nudez (de forma metafórica e lírica) tão verdadeira de sentimentos como a sua, Alexandra.
Afinal, precisamos nos esconder naquelas velhas roupas de antanho de uma sociedade invasiva e ávida por arrancá-las.
São poucos os corajosos e as corajosas que se mostram por inteiro revelando sua alma pura e sincera. A nudez revela quem nós somos de fato.
O corpo e a alma. Tudo em um só lugar. Eternas descobertas.
Mas pra alguns, a nudez é repulsiva porque tem medo de se mostrar. A história prova isso em épocas variadas.
E assim, a passos nus, a humanidade caminha rumo a revelação nua e crua de uma verdade: a revelação do fim de sua aventura na terra. Nu com a mão no bolso e sem lenços nem documentos.
É isso, Alexandra. Um grande abraço e até a próxima.
Mario, muito obrigada! Adoro sua análise sobre minhas crônicas! Abraços!
Lindo, Alexandra! Como lidar com a nudez, em todas as suas acepções, é sempre um (re)descoberta. Bjs