Muitas vezes, era para eu estar fazendo alguma coisa. Meu terapeuta disse que eu deveria aprender a viver o momento. E nesse momento, eu deveria tomar a decisão exata do que eu gostaria de fazer. Normalmente, quero fazer muitas coisas, mas na maioria das vezes, não quero fazer nada. Meu terapeuta não entende isso. Devo selecionar algo para viver naquele momento. Poderia estar jogando algum jogo online ou escrevendo um novo texto, mas estou pensando em ficar desenhando, jogado no chão e… olha, uma notificação.
Sim, tem essa também de passar algumas horas na frente do celular, esperando algo incrível acontecer. O reels que aparece na minha tela diz que eu deveria parar de perder meu tempo olhando para a tela e fazer algo útil. Algo como escrever, desenhar, jogar ou ter uma vida fora de casa, exercício, você me entendeu.
No reels seguinte, o sujeito mostra a rotina dele pela manhã. Acordar. Alongar. Água com limão. Um shake e um pão. Ovos mexidos. Um mamão. Ele diz que devo pegar no celular depois de duas horas que acordei, pois assim deixo algo no meu cérebro regulado. Ele devia ter falado isso antes de eu acordar, desligar meu alarme e começar a rolar o feed.
Sabe, eu deveria começar meu expediente. Trabalhar em casa tem dessas, às vezes quando você percebe acordou às oito, enrolou até às dez e quando percebeu, levantou para fazer almoço. Tento de todas as formas aprender a viver o momento. Me arrependo muitas vezes de rolar a tela em vez de pintar um quadro. Não sei pintar, então espera que pesquisarei um curso de pintura online. Será rapidinho. Nossa, como foi que entrei no Instagram?
Olha esse reels de uma mulher falando sobre produtividade. Ela faz várias coisas no dia. Praia. Filhos na escola. Dá aula. Faz faculdade. Academia. E lê quinze livros por semana. Eu só queria estar desenhando jogado no meio da sala. Ou escrevendo um texto sobre as coisas que gostaria de fazer ou fazendo um exercício ou começando a trabalhar mais cedo. Só queria isso, escolher apenas um. Escolher o que será vivido naquele momento.
Mas não, na notificação, o canal no YouTube que gosto publicou mais um vídeo. É um canal sobre a rotina de uma japonesa. Nossa, olha como ela segue o dia dela maravilhosamente. Não pegou no celular em nenhum momento. Olha lá, depois da corridinha matinal, sentou no sofá com uma xícara de café e lerá um livro. E ainda são seis horas da manhã. Queria essa vida para mim. Só acordar cedo. Se eu acordar às quatro, dará para fazer bastante coisa. Mas tenho que dormir cedo. Bem cedo, então às cinco já dá para fazer algo. Acordo às cinco. Alongo. Tomo café. Saio com o cachorro. Depois uns exercícios e ler um livro.
Simples. Fácil e quando eu ver, já terá virado uma rotina. São vinte e um dias, não é? Se eu aguentar isso por vinte e um dias, dará certo. Só seguir a lista certinho. Acordar. Alongar. Olha só esse reels sobre os melhores exercícios para se fazer pela manhã…

Maicon Moura, nascido em 1996, é um escritor brasileiro multifacetado que já explorou diversos gêneros literários em sua carreira. Autor de dois romances, uma coletânea de ficção científica e diversos contos. Maicon trabalha em tempo integral como designer gráfico, mas sempre encontra tempo para contar boas histórias. Ele reside no interior de São Paulo com sua esposa e seu cachorro WillieNelson.
Acompanhe em: @mouranius
2 respostas em “Coisas para escolhas”
Adorei, a gente sabe que precisa se afastar das mídias virtuais, lê nas próprias mídias sobre a vida real e no fim, acabamos nos prendendo na mesma mídia que devíamos nos afastar. Essa vida é uma loucura. Na minha juventude um amigo observou: “já repararam que nos filmes nunca tem ninguém vendo filmes?”
O problema todo é que são tantas opções nestes tempos modernos que a gente acaba mais perdido do que cachorro em dia de mudança, cego em tiroteio e outros clichês maravilhosos.
Tudo se resume a foco. Como por exemplo fazer um livro em trinta dias segundo Eudes Saullo (é fácil e indolor!!), mas tu queria mesmo era jogar videogame.
E então voltamos a ser aquele menino do programa do Sérgio Mallandro com portas a escolher e uma só a ter o tal videogame. Os outros eram só caras fantasiados de gorila.
Escolhas e mais escolhas. Esta é a vida.
Uma boa crônica e um Feliz 2024 pra ti.