Planejamento nunca foi o meu nome do meio. Não na vida pessoal, só no trabalho. Mas depois dos 40, 50… 60 anos, a pressa e os saltos no escuro são, meticulosamente, medidos.
No fim do primeiro semestre do ano passado, eu já sabia que estaria exausta no fim do ano. Então, planejei tirar férias em janeiro. O verbo que usa desde que me entendo por gente é “Tirar”, ou seja, as férias estão em algum lugar e aí, você vai lá e “tira”. O fato é que eu planejei tirar férias em janeiro, isso é tudo.
Como assim “isso é tudo”? Isso era tudo, porque eu nunca precisei planejar férias, uma vez que são férias de tudo, inclusive do planejamento nosso de cada dia. Fazer nada já é um bom plano para as férias!
Nunca me encaixei bem naqueles pacotes de viagem que tem tudo programado, do café da manhã ao fim da noite. E, depois de um frenético sobe e desce, entra e sai de uma lista com hora para tudo, está escrito assim: “dia livre”. Conheci bem essa modalidade de viagem de férias, antes de completar vinte anos de idade. Amei cada minuto. Mas, me lembro de percorrer o Brasil inteiro e parte da América do Sul ansiando pelo “dia livre” para poder ficar no hotel e só dormir ou fazer nada!
Acontece que eu não tenho mais 20 anos e me disseram que a impulsividade do meu signo solar Áries já foi eclipsada há décadas pelo meu signo ascendente Libra. Significa que tem uma balança bem em cima da cabeça do carneiro que eu sou, pesando os prós e os contra de tudo que eu penso em fazer.
A verdade é o seguinte: por precaução, tracei alguns planos para as férias que hora me encontro. Foi um planejamento diferente. Uma espécie de plano de emergência, para o caso de eu ficar sem ideias para ocupar meu tempo livre. Um gabinete de crise foi formado por mim e eu, que me conheço bem, para garantir a serenidade que preciso no período de férias.
Pensei… além das sete ou oito maravilhosas obras literárias que eu quero terminar de ler, experimentar mais algumas coisas que eu nunca fiz antes, sobretudo nas horas em que não quero fazer nada, ou seja, nas horas em que preciso de alguma coisa que me faça companhia no exercício da nadificação.
Pensei, pensei, e… já sei! Um quebra-cabeças! Não qualquer quebra-cabeças, mas um especial que eu deseje ardorosamente montar. A pesquisa me levou a um quebra cabeça de 500 peças da obra “O grito” de Edvard Munch. Eu quero!
Fiquei tão apaixonada pela ideia de montar a imagem de “O grito” que não li direto as especificações do jogo escritas na caixa: 500 peças nano. O que? Como é que pode? Fiquei com uma cara de desespero igual à da obra!
Vou precisar de uma lente de aumento para enxergar cada um dos quinhentos pedacinhos. Péssima ideia para gente como eu que, quando começa uma tarefa tem que levar a termo. A minha sorte é que eu ainda não comecei a montagem do quebra cabeça, então, não sou obrigada a nada… não fui eu que juntou duas peças vizinhas, que vieram assim na caixa…
Voltando as férias de janeiro, existem muitas ideias equivocadas de que, por morar numa cidade litorânea, sempre estamos de férias e vamos à praia todos os dias do ano. Não é assim que a vida acontece.
No meu caso, por exemplo, embora eu tenha nascido litorânea e recôcava, tendo o mar como horizonte e paisagem cotidiana, sempre tive uma relação mais contemplativa com ele. Gosto de olhar, gosto de assistir ao pôr do sol, o nascer da Lua cheia sobre o mar, o bater das ondas no quebra-mar. Há vezes em que vou à praia e não saio da faixa de areia.
Férias não é um estado de corpo e espírito que se muda como quem muda de marcha num carro automático. Exige, reclama um tempo de adaptação, principalmente para seres de hábitos como eu e talvez você leitora e leitor. O que é que vamos fazer com esse tempo livre das férias que permite tanta liberdade para fazer o que eu quiser? até a liberdade de fazer nada?

NADIA VIRGINIA BARBOSA CARNEIRO é baiana da Cidade Baixa de Salvador, licenciada em Filosofia pela UFBA, mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA e Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Professora universitária há 30 anos, tendo atuado na UFBA, UEFS e desde 2015, na UNEB – Universidade do Estado da Bahia, Campus I Salvador, nas áreas de Filosofia, Metodologia da Pesquisa, Oficina de Linguagem audiovisual e Estética da Comunicação para o curso de graduação em Relações Públicas. Já publiquei mais de uma dúzia de livros de poemas, participei de coletâneas diversas e caminho para o terceiro livro de crônicas.
Universos de interesse: Arte, Cidade, Imagem, Fotografia, Literatura, Poéticas e imaginário urbanos.
Uma resposta em “As férias e “O grito””
Férias. Pra mim isso é complicado pelo fato de ter um cérebro muito agitado e que se tivesse dedos, me mandaria pro lugar onde o sol não bate.
Acho que fosse bastante otimista pra procurar um quebra-cabeça (ou se preferir, enigma que é mais bonitinho) e sair arriscando tudo sem planejamento, mas acontece nas melhores pessoas.
Uma dica de amigo: Faça palavras cruzadas se puder. É desafiador, instigante e divertido e dá pra se sentar na cadeira, se concentrar olhando o mar pro ritual e mandar ver em preencher palavras.
As vezes, vem um Torto ou um Criptograma que te desafie mais, mas é divertido também.
Melhor do que ficar, com o perdão do trocadilho, com vontade de gritar.
É isso, Nádia. Um grande abraço e até a próxima.