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Nua

Nasci de parto natural, praticamente antes de o médico chegar, despida de roupas, opiniões, crenças e regras sociais.

A partir dessa ruptura, deixei de estar nua.

Além das roupinhas, os horários para mamar, dormir, a forma que comecei a ser educada foram as primeiras vestimentas do meu âmago.

A minha personalidade é a mistura de posicionamentos próprios com o que fui absorvendo no meio em que convivi – familiar, entre amigos, no trabalho…

Ao longo da vida, a alma passa a usar blusa de manga longa, gola alta, calça, botas, máscara e uma venda nos olhos, enxergando pelas frestas uma vida acinzentada.

Nem sempre é fácil tirar a roupa: o choro grita agudo como aquela bebê que soluçava ao nascer. E a alma vai se revelando e abandonando as personagens.

O autoconhecimento é essencial no strip tease: na dança, lentamente, a venda revela o olhar, a máscara é substituída por um sorriso, as peças de roupa vão sendo tiradas, até não restar nada, e, ao mesmo tempo, tudo: a alma na sua pura essência.

Há quem prefira nunca se despir, por vergonha ou medo; há quem queira despir o outro sem se revelar – uma das formas de manipulação, que deixo para os profissionais da área da saúde explicarem. 

Minha alma há tempos usava roupas com certa transparência. Estava vestida, mas nem tanto: tecido esvoaçante, capaz de exalar meus anseios, ainda que permanecessem contidos.

Há algum tempo, aprendi a não me importar com o que pensam sobre a minha nudez: cada peça tirada revela camadas mais profundas, repletas de fragilidades e imperfeições. 

Encarar uma alma nua não é fácil: há quem deseje que eu me vista novamente; há quem queira aprender a se despir também.

Na nudez não existe filtro. Ser admirada nesse estado é fascinante. 

Apenas por precaução, carrego um casaco leve, que sempre esqueço de usar quando estou ao lado de quem merece. 

4 respostas em “Nua”

Em todos esses anos nesta estrada literária, nunca tinha visto uma crônica sobre nudez (de forma metafórica e lírica) tão verdadeira de sentimentos como a sua, Alexandra.

Afinal, precisamos nos esconder naquelas velhas roupas de antanho de uma sociedade invasiva e ávida por arrancá-las.

São poucos os corajosos e as corajosas que se mostram por inteiro revelando sua alma pura e sincera. A nudez revela quem nós somos de fato.

O corpo e a alma. Tudo em um só lugar. Eternas descobertas.

Mas pra alguns, a nudez é repulsiva porque tem medo de se mostrar. A história prova isso em épocas variadas.

E assim, a passos nus, a humanidade caminha rumo a revelação nua e crua de uma verdade: a revelação do fim de sua aventura na terra. Nu com a mão no bolso e sem lenços nem documentos.

É isso, Alexandra. Um grande abraço e até a próxima.

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