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Escritora também é terapeuta

Estou escrevendo na praça. Não apenas escrevendo, estou datilografando. Sim, depois que me enviaram um vídeo de inspiração, decidi pegar a máquina de escrever que era do meu avô, e que ficava de decoração, para escrever contos na praça. Desde janeiro ofereço histórias de graça para quem estiver passando por ali. Basta a pessoa me dizer uma palavra de inspiração e eu escrevo uma história curta.

Fico lá na calçada: eu, meu banquinho, minha mesa dobrável e minha máquina de escrever.

Como escritora está sendo maravilhosa essa proximidade com os leitores, até porque enquanto as pessoas esperam o microconto ficar pronto, podem conhecer meus livros e acabo vendendo alguns exemplares. O mais interessante dessa ação literária é que tenho observado a necessidade de desabafo.

Entre os passantes, alguns não me olham, outros me parabenizam, muitos dizem ter pressa. Engraçado que algumas pessoas se aproximam só para dizer que já trabalharam numa Olivetti como a minha ou numa Hemington ou ainda que fizeram curso de datilografia, delatando assim sua idade. 

Turistas tiram foto como uma lembrança da minha cidade, Florianópolis. Sempre pedem autorização para fotografar e eu digo que quanto mais divulgarem, melhor. Tem gente que chega pertinho para mostrar aos filhos da geração Alpha que esse objeto obsoleto já foi a maior máquina de trabalho tempos atrás. 

E tem aqueles que param com todo o tempo do mundo não só para esperar o conto, mas para conversar. E contam a vida toda, além de relatarem o que estão fazendo ali no centro da cidade naquele momento. Eu adoro essas conversas. Fico íntima das intrigas de família, briga de vizinhos, das perdas e vitórias da vida de alguém. Já escutei pessoas falando de depressão, de desânimo em razão do desemprego, contam da morte ou afastamento dos filhos. Já ouvi teorias filosóficas e de vida. Cada um traz uma demanda, uma ideia. 

O que reparei nas últimas idas à praça é que as pessoas falam sem esperar um conselho, uma resposta. Elas só querem desabafar. Logo eu, que tanto gosto de falar, que tenho dificuldade de parar e escutar, agora me forço a isso. Deixo que as palavras escritas na máquina falem por mim. Muitos dos contos misturam ficção com as narrativas que ali me são confessadas. 

Não foram poucas as vezes em que vi leitores saindo com o papel grudado no peito. Não sabemos como nossas palavras vão chegar ao leitor, mas sei que de alguma maneira podem transformá-los ou acalentá-los em sua dor. E de fato, no último dia na praça ouvi de uma mulher: eu descia pela rua desanimada por uma situação na minha casa e ao te ver na calçada me animei, pois sabia que ganharia um texto para alegrar o meu dia. Ela já me conhecia de uma reportagem sobre essa minha ação. A partir dali eu já sabia que as palavras escritas para ela seriam de otimismo.

Reparei que a minha função na praça vai além de escrever contos numa máquina vintage, é quase que o papel do terapeuta que traz alento só pelo ouvir. Talvez tenhamos que ter terapeutas nas praças além de escritores. 

E assim, sigo no propósito de levar amor e alegria por meio das minhas histórias e agora também pelo meu ouvir. 

Quem aí vai me encontrar na praça para conversar? 

*Se você conhece alguém que precisa de ajuda, apoio emocional, indique que ligue gratuitamente para o número 188 – Serviço de Valorização da Vida ou que busque ajuda psicológica com profissional habilitado.

12 respostas em “Escritora também é terapeuta”

Que delícia de crônica Marina e que exemplo de amor à profissão. Eu já tive essa experiência de saber que um texto meu mexeu com a pessoa, é realmente indescritível saber que nosso trabalho significou algo muito maior para outra pessoa. Parabéns e bom trabalho.

Só tenho uma frase pra te dizer sobre isso, Marina: Um trabalho fantástico.

Uma boa iniciativa de fazer contos na praça e ainda ajudar as pessoas dando aquela força nas suas próprias missões cotidianas.

Olivetti não é comigo, sou mais de catar milho mesmo no computador. No meu caso, faço um trabalho parecido distribuindo haicais de aniversário pras pessoas que mais gosto: minha família e meus companheiros de estrada enquanto faço meus treinamentos literários no restaurante que almoço e na Bibliotheca Pública Pelotense, além de sebos e livrarias que tenham uma ou outra mesa.

Esse treinamento me rendeu frutos com alguns contos publicados e outros já no “forno” pra passar a limpo no computador aqui.

Espero que desta vez eu não tome outro “stop-and-go” de dez segundos da chefe em forma de moderação por excesso de informações nos boxes dos comentários. (sou fã de automobilismo, sabe!!) Na última vez que tentei comentar outro de seus textos, isso aconteceu.

Vamos ver se tu consegue ler desta vez, Marina.

Um grande abraço e até a próxima.

Olá, Mario, obrigada por sempre estar por aqui lendo minhas crônicas, fico feliz. Por vezes não acesso os comentários para responder como a autora da crônica. Agora consegui.

O catar milho no teclado, vou te dizer que meu avô digita assim na máquina de escrever (ou melhor, datilografa) e faz mais rápido que eu hehehehe

Adorei saber dos seus haicais. Acho lindo o trabalho de quem consegue medir as palavras para se encaixarem em tão poucas sílabas e linhas. Bonito isso de distribuir em datas especiais e lugares públicos.

Eu já fiz no meu instagram microcontos de presente de aniversário para as pessoas usando apenas palavras com a inicial do nome da pessoa. É interessante também.

Como a literatura nos dá espaço para criar e oportunidade de impactar a vida das pessoas.

Obrigada por mais uma leitura.

Que bonita a sua reflexão, e a sua iniciativa Marina!
Você falou sobre a necessidade de haverem terapeutas nas praças. Então esse projeto existe em algumas cidades aqui de São Paulo. Parabéns pela crônica. Me deu vontade de desentocar minha Olivetti. Ops, delatei minha idade rsrsrs

Oii, pois é, Maribel, depois descobri que existe aqui em Floripa também. Eles atendem bem no meio da praça, só não sei ao certo os dias, mas fiquei tão feliz.
Sim, volte a usar a sua Olivetti, é uma escrita tão diferente e gostosa.

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