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crônica

Você tem uma nova notificação

Um desabafo sobre a pressão de existir online. A ansiedade que as notificações sem fim criam, o mal estar que se prender nas telas gera e a frustração de ter que estar diponível o tempo todo.

Eu penso nisso sempre. Desligar o celular, desativar o wi-fi, apagar todas minhas redes sociais, nunca mais abrir um vídeo do youtube, não passar mais horas e horas rolando por informações vazias ou procurando algo que não sei o que é em uma tela que brilha e machuca meus olhos, mas dança e pisca para que, nem sequer por um instante, a atenção se desvie dela.

Eu penso muito nisso.

Não posso ser a única a fazer isso. Não posso ser a única enjoada dessa exaustão constante, dessa busca por algo que não existe e que, de vez em sempre, se vê entregue ao devaneio impossível de se deletar do mundo online.

Fui uma pessoa bastante resistente a ideia de entrar nas redes sociais. Às vezes acho que sou uma das únicas que se lembra dos alertas de adultos, dizendo: “não vá confiar em tudo que estranhos dizem” e coisas do tipo. Tenho vinte e seis anos, mas como sempre fui medrosa demais, tímida demais e jamais consegui fazer essa desassociação mágica entre uma pessoa “real” e uma pessoa “virtual”. Entrei nisso tarde na vida e nunca aprendi a fazer direito essa dança de exibir as partes certas de você para… quem mesmo? Um público que talvez nem exista?

Decerto pulei tarde demais no barco das redes sociais. Não a conheço por outra forma. Meu instagram é de 2020, cria do isolamento. Tumblr? Nunca me entendi direito com seu funcionamento. Discord? Me confunde, não gosto. Tiktok? Apenas não faz meu tipo, obrigada. Facebook? Até tive, mas apaguei faz uns cinco anos, foi um alívio. Youtube? Bem… esse admito que me faz perder um bom tempo desde 2010, mas nada fui além de expectadora silenciosa. Comentários? Jamais! E se alguém ler? E se alguém não me entender? Qualquer outra plataforma que pensar… bem, garanto que não estou ou não conheço, simples assim.

Ainda assim, morro de medo de ser insensível ou rude em minhas palavras, de ter meus verbos invertidos e minhas frases distorcidas. E isso é algo que parece um fato não uma hipótese nos tempos atuais.

Entrei nesse mundo já na era das bolinhas vermelhas em ícones de celular, a todo momento te dizendo “Olhe aqui! Isso você não viu ainda. Veja! Acesse! Me dê sua atenção AGORA!” E diante dessa urgência questionar é inevitável: O quê será? Quem será? Será importante? Alguma emergência? E então…

Ora, ora, se não é você! Olá, ansiedade! Como vai você? Veio mais uma vez me atormentar? Ou está só de passagem? Gostaria de conversar ou só quer destruir tudo mesmo?

Desativo minhas notificações por essa razão. Tenho medo de ser engolida pelo meu celular.

Alguns dias atrás, encontrei um formulário online, que perguntava “Quais redes sociais são divertidas para você?”. A resposta foi fácil: nenhuma. Todas elas me dão ansiedade. Bolas e mais bolas dela. Borbotas borbulhantes de bolhas ansiosas. Mas percebo uma regra implícita: converta-se em bits ou desapareça. Conheça mais pessoas, faça-se conhecer, divulgue mais, produza mais, conquiste mais, seja mais, seja lembrado para além da morte, mostre mais, obtenha mais, mais, mais, mais, sempre mais!

Mas… eu não quero mais. Quê corrida maluca é esta, que nem sequer linha de chegada possui? Quanto mais se avança nela, mais distante da chegada se torna e isso é… cansativo?

Estou cansada. Pudera o mundo me permitir pular para fora dele! Por isso escrevo. Sempre escrevi e, por sempre fazer isso, encontrei pessoas que me cobravam para me mostrar ao mundo. Resisti. Quê importância tem minhas palavras? E cada rejeição torna mais firme essa visão. Não quero vender uma imagem minha que não existe, não quero me tornar vitrine, não quero me tornar apenas “bits” e por isso… falho. Para a sociedade, eu erro. Não me engajo o suficiente, não me exponho o suficiente, não me mostro o suficiente, não sou o suficiente.

Mais de uma vez entrei no abismo e tive aprender a lutar contra meus demônios, mesmo sabendo que jamais os derrotarei de fato. Visito um consultório psiquiátrico a cada dois meses. Preciso de remédios para não cair na depressão de novo. O mundo online é amargo para mim, porque no meu pior eu passei horas entregue a ele, apenas “assistindo” a vida passar. Uma vida que nem era a minha. Passividade tentadora, rolar e rolar e rolar… nunca pensar.

Precisei entrar no abismo e aprender a lutar com meus demônios, para começar a agir. Deixar de postergar a vida. Aquele livro que queria ler, mas nunca tirei da estante? Li. Aquela ideia para aquele conto que tive dois anos atrás? Escrevi. Aquele romance que tenho todo estruturado, mas nunca comecei? Terminei. Aquela nova habilidade que queria ter? Aprendi. Aquele curso de fotografia que queria fazer? Matriculei. Aquilo que realmente me importa? Acho que encontrei.

O murmúrio da chuva.

O cheiro da terra molhada.

O gosto da comida de mãe e daquele pão de vó que não existe mais.

O toque dos fios de algodão nas minhas mãos enquanto faço crochê.

O sol se pondo mais um dia visto do jardim de plantas que eu semeei.

Todas coisas que jamais encontrei online, jamais recebi notificações de sua presença ou passagem e teriam ficado sem ser vividas estivessem meus olhos presos na tela.

Alguns dirão que isso é um desejo de uma vida mais simples e um retorno ao passado, mas discordo. Digo que a vida nunca foi simples e que o passado tem tantos erros quanto o presente. Meu desejo é outro. Eu queria apenas uma vida menos ansiosa.

6 respostas em “Você tem uma nova notificação”

Me identifico 100% com essa ansiedade em que as redes nos mergulham. Se você não participa dela se sente um alienígena, um bicho raro, um desinformado. E se participa entra em um pântano que te engole. Escolha de Sofia. E sim, usemos lápis e papel, linhas e agulhas, panelas e receitas. Armas analógicas que restituem um pouco da nossa humanidade. Parabéns pela crônica, G.

Olha, Gabriela, gostei muito do que escreveu sobre as redes sociais e o perigo que isso nos traz.

Vou te contar uma coisa: as vezes prefiro mostrar mais minhas palavras do que fotos no Facebook, acho muito perigoso porque o que tem de bicho mau por aí não tá no gibi.

Eu gosto mesmo de usar o computador é pra ler PDFS e criar histórias pro meu blog, mas compreendo o qiue tu queres diuzer.

Estamos perdendo a arte da conversa, do prazer de ler um livro impresso, de andar por aí sem destino, de ver um pôr-do-sol e uma lua incrível, tudo por causa de algoritmos.

É aquela coisa de tu virar o “leproso” da Internet se sair das redes sociais e se desligar de tudo mesmo.

No entanto, ou tu tentas isso ou o Burnout te mata.

Tu não estás sozinha nessa. Apesar de ter meu próprio blog e ver vídeos no Youtube mais pra aprender as coisas e por incrível que pareça, de lembrar de coisas do passado como filmes antigos e materiais que essas pessoas nem sabem direito o que é como um telefone, um guia telefônico, fichas, etc…, ainda sou um cara a moda antiga em muitas coisas.

Do tipo que ainda usa caneta pra escrever e caderno pra anotar.

É isso, Gabriela, um grande abraço e até a próxima.

P.S: Não se assuste se eu comentar de novo em suas histórias. Faz parte do meu treino literário debater com os colegas cronistas e aprender muito com as experiências de cada um. Isso reflete nas minhas escritas também.

Obrigada pelo seu comentário! Sempre fico feliz quando recebo algum retorno sobre o que escrevo e é sempre tão raro!

Sobre sua observação do Burnout, admito que minha reflexão nesse texto veio em grande parte por já ter passado por isso (e, no futuro, pretendo fazer um texto sobre).

Como disse, sempre fui desconfiada com a internet, mas é surpreendente o quanto os algoritmos se infiltram na vida da gente mesmo assim. E minha resposta pra isso foi diminuir tempo de tela, retomar rotina de leitura e, claro, escrever. E escrever muito!

Até a próxima!

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