Estava fazendo “voltas” pelo centro da cidade, aquelas obrigatórias de pagar contas, comprar algo, e passei por uma mulher carregando sacolas de supermercado. Pareciam pesadas, ela já caminhava meio curvada. Ofereci ajuda, alegando que estávamos indo para o mesmo lado.
Ela olhou para mim, franziu as sobrancelhas e respondeu num tom que não consegui definir: “Não”.
Geralmente as pessoas aceitam ajuda. Mas ali fui pega de surpresa. Não sei porque saí meio envergonhada e apressei o passo. Depois fiquei encasquetada do porquê de a mulher não ter aceitado ajuda.
Primeira hipótese que me veio: ela pensou que eu fosse roubá-la ou furtá-la, afinal não é comum pessoas oferecerem ajuda no centro da cidade. Ou pior, talvez ela pensasse que eu estava lhe atraindo para um golpe.
O mundo não está mais acostumado a gentilezas.
Meu marido disse que ela talvez não precisasse mesmo de ajuda. Quiçá as sacolas não fossem pesadas para ela. E não era uma idosa, apenas uma senhora carregando compras.
Então pensei no fardo que as mulheres carregam:
As sacolas poderiam estar pesadas, mas as mulheres sempre aturaram tudo, não podem mostrar fragilidade. Entregar seu fardo para outro carregar é dizer que não deu conta.
Não deu conta de quê? O mundo não precisa estar sobre os seus ombros, mulher.
O nosso fardo geralmente não é nosso. Carregamos a mochila da culpa da maternidade, o halter da profissional competente, a barra da esposa perfeita, da filha exemplar. Pesos que jogam sobre os nossos ombros e ai de nós se reclamarmos.
Quais pesos carregamos e quais deveríamos carregar? São tantos sobre nossas costas já doloridas. Precisamos de um treino de libertação. Sim, já começamos, mas os outros também precisam fazer esse exercício.
Uma vez fiz um teatro para crianças que cabe muito bem aqui. Era um personagem andando com uma bagagem extremamente pesada nas costas (para não forçar a atriz aqui usei balões dentro de um saco). E, conforme as pessoas que ele encontrava no caminho, a bagagem aliviava porque os balões iam sendo retirados.
Você tem tomado para si o fardo dos outros ou aliviado o seu com quem encontra?
Talvez a mulher das sacolas no centro da cidade simplesmente não tenha desejado impor seu fardo sobre mim. Mas se tivéssemos dividido as sacolas, as duas teriam caminhado com um fardo mais leve sem estarem encurvadas pelo peso.

Aos 31 anos, Marina Hadlich trocou a carreira jurídica pela vida de escritora. Nascida em 1985, em Blumenau/SC, atualmente mora em Florianópolis/SC com seu marido, onde segue lendo e escrevendo à beira-mar.
A autora ama propagar a literatura por meio de bibliotecas comunitárias, campanhas de arrecadação de livros, além de mediar clubes de leitura e de escrita. Também cria microcontos de graça em sua máquina de escrever para quem estiver passando pela praça da cidade.
Marina publicou o livro de contos “100 Mulheres” (2019), o infantil “O menino que se escondia” (2021), o chick-lit “Até essa comédia se tornar romântica” (2023) e o livro de contos “Mulheres mofadas nas entranhas e nas memórias” (2023 – Editora Patuá).
4 respostas em “Sacolas pesadas”
Muito verdadeiro. Eu ainda estou aprendendo a dividir as sacolas, mas falar é mais fácil que fazer. Parabéns pela crônica.
Olá, Jaque, obrigada.
Refletirmos sobre isso já é um passo. Que possamos dividir nossas sacolas e fardos, qualquer coisa, estou por aqui. Abraços.
Essa crônica me fez pensar sobre as responsabilidades que as mulheres carregam desde que o mundo é mundo.
No meu caso e em outros tantos, não gosto muito de pedir ajuda pros outros pra não confundir com dependência, o que é ainda pior.
E acaba sendo sobrecarregada no fim das contas. Mesmo assim, tento fazer aqui o que posso pra ajudar no trabalho de casa.
É isso. Com sacolas e andanças, o mundo segue girando.
Até a próxima.
Olá, Mario, realmente, muitas pessoas têm esse receio de depender dos outros e acabam sobrecarregados.
Que bom que podemos parar até com a ajuda a literatura para refletir sobre isso, conversar e quem sabe dividir os fardos e alegrias também.
Obrigada pelo seu comentário.