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Ruas vestidas de gente

Sempre gostei de uma feira. Sejam aquelas que ainda acontecem em alguns bairros, onde se encontram verduras e legumes frescos, sejam as feiras sazonais reunindo pessoas de gostos parecidos, como as feiras literárias ou até aquelas que conhecemos numa viagem turística.

E digo isso, não porque seja uma pessoa consumista. É que uma feira abre um espaço para uma comunicação diferente. Um produto à venda explicado detalhadamente, para quem se interessa, e uma certa expectativa no ar, diferente de uma loja fechada. 

Tudo bem que a facilidade de uma compra, online, no sofá de casa ou o conforto de um ar condicionado, num shopping center, podem seduzir mais, em alguns momentos.

Até porque, frequentar uma feira exige uma predisposição. 

Mas, é exatamente essa certa desordem que chama a atenção! Coisas empilhadas que não couberam no espaço alugado, aquele banquinho de plástico improvisado para experimentar as sandálias e o livro de sebo que você nem imaginava encontrar mais. Sem falar nas maravilhosas degustações de produtos à venda. 

Numa banca, a moça conta sobre o dia em que seu cachorro fugiu de casa, noutra, o menino pede ao pai para comprar algo que acabou de encontrar, e noutra, um verdureiro dá notícias de sua filha que foi estudar fora do país. É um burburinho de vida acontecendo simultaneamente.

A mesma rua deserta, no dia de feira, se veste de gente que transita com suas histórias.

Conversas que, às vezes, se transformam numa longa amizade, como a da Dona Maria e do Antônio, vendedor de biscoitos artesanais.

Ela viúva, já com os filhos crescidos, morava sozinha e frequentava a feirinha de produtos da roça que acontecia às sextas, a duas quadras de sua casa. Ele, um rapaz do interior que aprendeu a fazer biscoitos com a sua avó.

Trocavam receitas, contavam casos e davam boas risadas. Não conversavam fora dali, não tinham o telefone um do outro, mas quando um deles faltava, na semana seguinte, o assunto durava mais do que o normal. 

Antônio sabia o horário da Dona Maria chegar e separava os biscoitos mais fresquinhos – “para minha melhor cliente”. Dona Maria, por sua vez, levava sua sacola reciclável, comprava as verduras e sempre terminava a feira na banca do Antônio, para ter aquele dedinho de prosa com o  – “rapaz que se parece com meu neto”.

Quando se conheceram, Antônio ainda era muito jovem e acompanhava seu pai. Do outro lado da banca, os dedos mal alcançavam os pacotes utilizados para embalar os biscoitos. Dona Maria, à época, ia à feira acompanhada do marido e já reparava o esforço do menino. 

A escola, a faculdade, o casamento, os filhos, os netos, as alegrias e as tristezas – assuntos de duas vidas partilhadas em pequenas frações de tempo…

Nem toda feira tem um Antônio e uma Maria, mas tem o Zé, a Paula, o João, a Rita e tantos outros nomes que se reconhecem, em cada canto desse Brasil afora. Sorrisos espalhados num “Bom Dia” caloroso e até quem sabe, um desaforo de um cliente mal humorado. 

Gente viva que sai de casa para ir à feira! Eu gosto! E você?

42 respostas em “Ruas vestidas de gente”

Como a autora, eu também aprecio demais a diversidade, a alegria espontânea das pessoas que fazem esse espaço, o colorido das frutas, legumes, vestuários populares e coloridos…; uma vez cheguei numa feira numa pequena cidade do sul da França, e meus olhos e alma se alegraram diante daquela desorganização organizada, com todos tipos de produtos e produtores regionais. É um festival de pessoas e variedade de artigos que anima nosso espírito !!

Texto delicioso de ler! Também adoro uma feira: de frutas,de legumes,de livros ,de roupas ou de artesanato…! Acho que e sempre alegre,cheio de vida. Parabéns,Denise! Ótima escrita!

Eu amo feiras e mercados , um mundo carregado de cheiros pessoas sabores cores sorrisos e prosas … aiai coisas que eu particularmente adoro

Ah… como gosto de ler boas crônicas, dessas então, que aguçam nossos sabores, lembranças e sensibilidade.
Ruas vestidas de gente, de sol e de alegria.! Lindo título também!!!!

Denise, parabéns pelo texto tão gostoso de ler! Feiras são parte da nossa história, aglomeração que nos anima, variedades, oportunidade de interagir com pessoas, ver arte, alimentos frescos e caseiros, novidades que trazem brilho ao olhar. Gosto muito de feiras, exposições, mistras culturais… Apreciar o resultado do esforço de muitos para que qualquer evento aconteça é um lazer muito bom para se cultivar!

Bravo! Valeu pelo tema escolhido, Denise. Perfeita a sua crônica, tem tudo a ver com a “gente”. Feira é tudo de bom, sem restrição de idade, democrática e resiliente. Ponto de encontro para quem curte uma vida simples com “jeito e cara de cidade do interior”. Sucesso sempre!

Parabéns Denise ! Vc consegue com uma escrita rica de palavras simples nos remeter ao espaço falado … amo uma feira , converso , rio, como e às vezes compro tbm ! Entretenimento q vale a pena e como vale !

Na minha cidade ir a feira aos sábados era compromisso obrigatório e eu era a companhia certa da minha mãe.
Doces lembranças seu texto me trouxe!
Viajei no tempo!
Ameiiiiiii! Gratidão!

Me identifiquei , sou a pessoa que nasceu e sempre viveu na capital.
De repente vai morar no interior.
E é essa feirinha de sexta-feira que tornou-se meu elo de ligação e conhecimento com esse novo lugar.
Tb amo uma feira.

Nas ruas vestidas de gente não há como deixar de recordar a compra de todas as 3as feiras na feira da Rua Progresso (quatro quarteirões de barracas) de sardinhas, batatas doces, bananas, abacates, rapadura e o tradicional fubá para fazer aquele delicioso angú de nossa avó Marieta. Até hoje alimentos que não faltam na nossa mesa. Fontes inspiradoras para nosso dia a dia.

Parabéns Mana! Belíssimo conto!

Que lindo! É justamente isto. A feira hippie da Av Afonso Pena por exemplo, é num lugar tão popular, tão livre que a gente se sente inserido naquele contexto e de barraca em barraca, conversa com todo mundo, sobre tudo. E a riqueza de uma Feira de Livro? Cada stand uma novidade que nos enche de curiosidade e conhecimento. Ninguém sai de uma feira como entrou. Cada uma com sua peculiaridade. ❤️Adoro!!!

Ah, a feira hippie de BH é um ponto turístico. Também amo as feiras literárias. Sempre saio com mais livros do que poderia comprar 😉

Como que em um texto tão simples e natural leva a gente a viajar na história de uma feira, seja ela de frutas e legumes, como uma de artesanato ou leitura, ou qualquer outro motivo. Adoro uma feira! Principalmente as de artesanato que mostram as habilidades das pessoas; fazem coisas que uma pessoa comum não consegue fazer. Dou muito valor a isto e admiro a criatividade, principalmente as dos escritores que fazem histórias que nos toca a alma.

É resultado da observação de pessoas que enriquece suas crônicas. Amo ler estas descrições de locais e de caráter de personagens. Que bom que existam Antônios, Dona Maria e Feiras! Melhor ainda que existam Denises a descrevê-los!

Nunca gostei de feira, pois não gosto de ficar comprando coisas que tenha que escolher muito tempo num espaço desconfortável. Porém, concordo que seja um local de encontros, de grandes amizades e até mesmo de conhecer um grande amor!

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