“Quem? Nunca ouvi falar!”, retruca um colega de trabalho ao meu lado no balcão da lanchonete. “Quem? Nem sei quem é!”, emenda um desconhecido no mesmo balcão onde tomamos café da manhã antes de encarar mais um dia de serviço. Referem-se a um famoso cantor do gênero sertanejo, cuja morte num acidente de carro está sendo noticiada com destaque no telejornal transmitido numa televisão pendurada na parede.
A despeito do rebuliço e comoção nas redes sociais, jornais e programas de variedades, esses dois indivíduos revelam — e com assombrosa empáfia, é bom frisar — seu desconhecimento acerca da identidade do artista falecido. O que me leva a escrever sobre seus comentários não é, evidentemente, o fato de alguém nunca ter tomado conhecimento da existência de um cantor que faz sucesso num segmento específico da MPB, mas o modo desdenhoso (é possível notar a insolência a sobressaltar-se de seus olhos como faíscas) como anunciam aos quatro cantos que não são um zé-ninguém qualquer no meio dessa gentalha que perde tempo admirando cantores da estirpe do finado.
Duvido que pelo menos uma vez na vida já não ouviram falar daquele cantor. Num domingo trivial, no sofá à espera do jogo das quatro da tarde na tevê, de repente, lá está ele cantando e dançando num programa de entretenimento. Ou a caminho do trabalho, fuçando no dial do rádio do carro à procura daquela emissora que toca ópera ou música clássica (não tenho dúvida de que meu colega de trabalho e o sujeito ao lado com um copo de café com leite na mão são terrivelmente obcecados por Verdi e Tchaikovski), deparam-se com um locutor solenemente anunciando que vai tocar aquela música contagiante que faz sucesso do norte ao sul do país.
Na desfaçatez que permeia a soberba humana, é provável que desmerecer o popular possa, por vezes, evidenciar-se uma notável virtude, algo que nos cobre de orgulho. Uma vez alguém me disse que na época em que trabalhava numa loja na Galeria do Rock — um centro comercial no centro de São Paulo voltado aos fãs do rock and roll e outras vertentes musicais conexas, foi abordado por uma cliente perguntando se naquela loja vendia CD de um determinado grupo de pagode. “Quem?”, ele retorquiu, de chofre, diante do absurdo da pergunta. “Vou te dar um conselho”, advertiu ato contínuo à jovem desinformada: “se você não quer passar vergonha, não faça mais essa pergunta em nenhuma loja desta galeria!”.
Que pecado hediondo cometeu aquela pobre moça que, ao vislumbrar uma profusão de CDs expostos na vitrine de uma loja especializada na venda de CDs, foi perguntar ao vendedor se ali vendia o CD que ela estava interessada em comprar?
Gosto de um trecho do Livro de Provérbios, que traz uma advertência acerca dos perigos da arrogância e da vaidade: “O orgulho vem antes da destruição; o espírito altivo, antes da queda” (Provérbios, 16,18). Pois é, não mais que a arrogância e a vaidade para explicarem o fato de alguém se achar melhor do que outro em virtude do gosto musical ou outra predileção qualquer. Vai lá, às vezes o gosto do sujeito é realmente mais apurado do que o de outrem. Mas orgulhar-se por não saber quem é alguém, aí é de lascar!

Com formação superior em Letras e Direito, o autor dedica-se ao cultivo da escrita literária escrevendo poesias, contos e crônicas. Suas obras já foram publicadas em antologias de diversas editoras, sites e revistas literárias, e também já foi premiado em alguns concursos em modalidades e gêneros literários variados, como Poesia, Trovas, Sonetos, Literatura de Cordel, Contos e Crônicas. Também é autor do livro de poesias “COLETÂNEA SONETO DE SÁBADO – Vol. 1”, publicado pela Editora Lucel, reunindo uma parte do acervo de sonetos que vem há algum tempo compartilhando em sua página pessoal no Facebook (facebook.com/mauroandre.oliveira.5).
Uma resposta em “Quem?”
Olha, Mauro, com relação a isso, é lamentável quem acha que só porque o outro gosta de gênero musical diferente, deve ser tratado como cachorro sarnento.
Aqui tem um nome pra isso: intolerância musical.
Vou contar-lhe uma história sobre isso: Anos atrás, detestava pagode e era intolerante com os outros que gostavam do gênero. Era um chato de galocha naquela época (eu gosto mais de rock, de pop e de músicas mais antigas) e depois de alguns incidentes, mudei meu modo de pensar sobre música.
Continuo gostando destas músicas que citei, mas agora sou mais tolerante. Inclusive fiz uma crônica a respeito disso dois anos atrás onde tive uma mudança de vida. Só não posso contar mais porque corro o risco de tomar um “drive-through” da chefe e não leres meu comentário.
É isso, Mauro. Um grande abraço e até a próxima.