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Quando o Anúncio é Demais

O expediente termina e antes de voltarem para casa, Cardoso e Fagundes param no bar para relaxar. É um ritual inocente, apenas o tempo de esperar a hora mais intensa do trânsito, suavizar e se despedirem. Eles escolhem uma mesa de frente para a rua, pedem uma cerveja e ficam de bate-papo, porém, nesse dia Fagundes andava mais pensativo que o normal.

— O que há contigo Fagundes, tá com essa cara de peixe-morto por que?

O homem suspira antes de responder.

— Cardosão, já viu aquele anúncio do outdoor?

O amigo desvia a atenção para a rua.

— Qual, aquele ali? — aponta para o cartaz.

— É, fico pensando que esse pessoal da propaganda apela demais. O que tem a ver colocar uma moça seminua para anunciar venda de apartamentos?

— Como é?

— Não tá vendo, olha lá a menina só de biquíni. É muita apelação.

— Ué, esse é o truque mais velho do mundo, eles precisam chamar atenção do público-alvo.

— Que público? Eu?

— Geralmente quem tá atrás de apartamento, pra comprar, é um casal.

— Mas, aí se a mulher escolher não será por causa dessa menina aí.

— Então, tá na cara que eles querem chamar atenção dos homens e pelo visto funciona.

— Funciona? — Fagundes não entende o raciocínio.

— Sim, eu não tinha percebido até você me mostrar. Logo funcionou.

— Mas, eu não tô falando dos apartamentos, e sim da apelação.

— Não importa, a função do anúncio é chamar atenção. — Cardoso é taxativo.

Os dois continuam contemplando o cartaz até que Cardoso volta atenção para Fagundes.

— Conta pra mim, tá tudo bem em casa?

— O quê? Claro, por que tá perguntando isso?

— Fala a verdade, quanto tempo que você não namora?

Fagundes fica indignado com a invasão de privacidade.

— Pô, não tô te entendendo.

— Já vai entender, só me responde.

— Ah, sei lá. Tem um tempo,.. — relaxando, Fagundes se perde nos cálculos. — A Manu tem andado meio estranha, irritada, se aborrecendo à toa…

— Nem precisa falar, tá na cara.

— Como assim? Pô, a gente tava falando do anúncio, o que tem uma coisa com outra?

— Ora, você percebeu um detalhe que passaria batido por qualquer um. Hoje em dia é tão normal foto de mulher com biquíni.

— Eu sei, mas é que…

— Ah, cara, não esquenta, isso é só uma fase. Vai ver é coisa de hormônios… sei lá.

— É, pode ser, o problema é que não sei o que fazer.

— Meu caro, você não tem que fazer nada. Só fica na sua, tenha paciência, quando ela falar contigo, responde na disciplina. Depois que a fase passar, tudo volta ao normal.

— Pô, Cardosão, quanto tempo dura isso? Tô ficando louco.

— Pensa o seguinte: se você se acidentasse, ela não ia ficar do teu lado o tempo que fosse preciso?

— Acho que sim.

— Então, faz o mesmo por ela. Isso é casamento. E nem pense em pular cerca, vai por mim é só prejuízo, não compensa.

— Não, nem penso nisso, a Manu é tudo pra mim. — Fagundes consulta o relógio — Vou chegando — antes de sair, conclui — Acho que você tá certo, é só dar tempo ao tempo.

O amigo aponta pro anúncio.

— Você também tá certo, aquilo ali é apelação demais. Manda lembranças pra Manu.

Assim que Fagundes chega em casa, Manuela o recebe com um sorriso.

— Fafito, eu sei que tô chata esses dias, mas é que…

— Tudo bem Manu, as mulheres passam por essas fases, né?

— Fase? Que fase?

— Sei lá, eu tava conversando com o Cardosão e…

— Conversando o quê?

 — Nada demais, eu tava falando da menina de biquíni no anuncio, daí uma coisa leva a outra.

— Que menina de biquini é essa, onde você estava?

— A menina do anúncio.

— Tinha uma menina de biquini colocando anúncio? Fafito, conta essa história direito.

— Não, Manu, no anúncio tinha uma foto com a menina de biquini, é isso. Daí, conversa vai, conversa vem, a gente começou a falar dos problemas de casa, aí o Cardosão disse que podia ser alguma coisa de hormônios, essas coisas.

— Tá maluco, homem? Hormônio é problema de mulher que envelhece. E para de ficar conversando da nossa vida com seus amigos.

— Tá bom, prometo que de agora em diante fica só entre nós dois.

— Não, Fafito, você vai ter que botar mais gente nessa lista. Eu tenho um anúncio pra te dar. Olha! — Manuela levanta os dedos com dois sapatinhos de crochê, um azul e outro rosa.

2 respostas em “Quando o Anúncio é Demais”

Nossa, essa dá pra ser chamada de perfeita anunciante. Tenho pena desse Fagundes nessas horas tão íntimas.

As vezes, anúncios podem acabar com casamentos seja de biquíni ou maiô ou sungas no caso das mulheres.

Ou o contrário. Tudo pode acontecer.

É isso, Cândido. É bom te ver de novo.

Um grande abraço e até a próxima.

Olá grande amigo Mario, bom ver que você continua na sua dedicada profissão de prestigiar os cronista da página. E meu agradecimento especial pela consideração em responder aos meus textos. Pois é, meu caro, Fagundes é sobrevivente de muita sorte, como já podemos perceber. Forte abraço.

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