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Para que servem as visitas

Quando a gente vai receber visita em casa é que a gente vê como tudo está mal posto, como faltam cortinas na janela, como a pia está vazando e faltam coisas na geladeira, pelo menos para fazerem figuração quando a visita pedir um copo d’água.

E, como ninguém é perfeito e um plano emergencial nem sempre dá certo, quando tudo parece estar indo bem, um detalhe enorme fora do lugar, que a rotina já incorporou a paisagem, se mostra para todo mundo ver sem a menor cerimônia.

O sentimento de constrangimento é visível, vem e gela o nosso coração como se a gente fosse descuidado, negligente ou até incompetente para, minimamente, dar conta da nossa casa. Nessa hora, nossa cara lavada de vergonha pode até não parecer tentar disfarçar, mas quem sabe ver e ouvir, o corpo e os gestos falam e, logo vem a súbita dificuldade de olhar no olho, a falta de ter o que dizer, a dissimulação.

Quando comecei a morar sozinha, ter o meu canto, sempre me orgulhei de dizer que podia levar alguém para conhecer minha casa a qualquer momento. O motivo desse orgulho era estranho, reconheço hoje. A causa era a minha necessidade de ordem, um TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) que hoje é bem moderado. Ele me fazia querer manter a casa arrumada, tudo no seu devido lugar ou eu “enlouqueceria”. O TOC ainda existe, mas ele tem sido suplantando pela minha rotina de trabalho, meu cansaço ao chegar em casa e a certeza de que há coisas mais importantes do que arrumar a sala.

De qualquer maneira, as visitas a nossa casa de gente querida a nós continuam cumprindo uma função importante, que é nos mover, pelo sentimento de carinho, afeto, alegria, saudade, se ele qual for, para oferecer acolhimento como se nossa casa fosse a versão concreta do nosso coração.

Meus pais eram ótimos anfitriões. Eles viveram no tempo em que ainda não havia telefone nas casas de todos os amigos e conhecidos, então, era muito comum as pessoas chegarem de repente, se aviso.

Todas e todos eram sempre benvindos lá em casa, mesmo que no fundo, ou meu pai ou minha mãe ou os dois não fossem muito com a cara de um ou de outro ou outra que aparecia, sobretudo se chegassem em horas impróprias como perto da hora do almoço ou cedo demais, quando todo mundo ainda estava dormindo e muito tarde, na hora da novela ou do telejornal, por exemplo.

Havia as visitas que conseguiam fazer o impossível: chegar cedo e parecer não sentir que era hora de ir embora. Para elas, já tinha sido inventadas um monte de ‘simpatias’ que ajudavam a abreviar a visita indesejada.

Meus irmãos e eu, crianças observadoras do comportamento dos adultos, aprendemos algumas delas e, às vezes, éramos até (reservadamente) solicitados a entrar em ação para tentar resolver o ‘problema’.

Lembro-me de duas simpatias que praticávamos. Uma era simples: bastava colocar uma vassoura atras da porta de cabeça para baixo. Dizia à época, que era muito eficiente. Uma outra, exigia a participação de duas pessoas. Minha irmã ou meu irmão e eu fazíamos a manobra debaixo de tantas risadas que faziam nossas barrigas doerem. O negócio era o seguinte: devíamos segurar uma toalha (de prato ou de rosto), cada uma, cada uma, numa ponta e torcer até onde pudesse.

Segundo diziam, ao torcermos a toalha, a pessoa visitante indesejada começava a apresentar sintomas de diarreia e assim, ‘bateria em retirada’ para não fazer feio na casa da pessoa visitada.

Era muito divertido para nós.  Nossa mente infantil acreditava estar fazendo algum tipo de mágica à distância e, com a força das mãos torcendo a toalha e a força do pensamento (que ria de tudo aquilo), quem sabe, podíamos emanar alguma energia e criar desconforto suficiente para a visita ir embora.  

Se funcionava? Não era a questão mais importante… Fatores concorria para, às vezes dar certo, às vezes não. Essas simpatias eram, digamos, o recurso derradeiro, então, provavelmente, a visita já pensava em ir embora, mas, para nós o movimento dela era efeito da nossa ação simpática.

Hoje em dia, visitas só a consultórios médicos e olhe lá… Eu, praticamente, não visito a casa de ninguém e, poucas pessoas queridas visitam minha casa. Ainda há aquelas que prometem (confesso que sou uma delas) arrumar um tempo para isso e nem o tempo nem elas aparecem.

Será que existem simpatias para trazer de volta as visitas de pessoas queridas em três dias ou nosso dinheiro de volta?

6 respostas em “Para que servem as visitas”

Obrigada!
Parece que visitas e simpatias estão virando raridade nesse mundo conectado a Internet de hoje…
Prometo que vou garimpar simpatias para escrever, pelo menos, mais uma crônica relembrando-as. Beijos agradecidos!

Visitas. Uma situação meio complicada no meu caso, Nádia.

É que fico muito desconfortável quando tento visitar alguém pela minha falta de traquejo social e principalmente minha oratória horrorosa com relação as conversas.

Além de pouco conversar, tenho tendência a falar sobre assuntos que a maioria não quer escutar e com isso, minha bateria social reduz rapidamente e preciso voltar ao meu canto da solitude, se é que tu me entendes.

Até pra recuperar as forças e tentar novamente a socialização. Prefiro ficar no meu canto treinando as habilidades literárias ou até mesmo jogando um pouquinho e fazendo minhas velhas e boas cruzadinhas.

Vamos ver se essas simpatias funcionam mesmo. Talvez sim, talvez não.

Uma boa crônica pra ler numa noite ventosa de domingo. A velha e boa viração como chamamos aqui no Rio Grande do Sul.

É isso. Um grande abraço e até a próxima.

Mario, eu também era uma pessoa assim, calada e sem assunto de tanta timidez. escrever sempre foi mais fácil que falar. Mas a gente vai exercitando com as/os amigas/os nossas habilidades sociais.
Um abraço!

Nadia, seus textos são gostosos de serem lidos.
Eu não conhecia a simpatia da toalha, vou anexá-la às minhas receitas, rs.

Obrigada! Minha irmã me fez lembrar que a simpatia da toalha tem um detalhe a mais que não citei: É preciso dar um nó bem no meio da toalha antes de as duas pontas serem esticadas e torcidas ao máximo, para que seu efeito cause uma repentina dor de barriga na visita. Rssss

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