Somos inseparáveis. Sabe aquela dupla que passa o tempo todo colada? Pois é, somos assim — tipo queijo com goiabada —, um não pode viver sem o outro. Fazemos tudo juntinhos, uma mão lavando a outra, parceria que já vem de longa data.
Seja de dia, seja de noite, você é meu companheiro, está ali firme sem reclamar, topando qualquer parada.
Às vezes sinto que sou muito dependente de você, que te procuro demais, não faço nada sozinha. Mas, depois, penso um pouco e vejo que você também não tem vida independente, está sempre esperando a hora de entrar em cena comigo.
A procura não é de sua iniciativa, e até entendo o porquê, sendo você quem é: generoso, sempre ali sem reivindicar nada para si, a não ser a minha companhia. Cá entre nós, tenho que confessar que me conforta saber que está sempre pronto, disponível, aguardando a hora em que vou te buscar.
Enfrentamos os maiores desafios juntos; somos ágeis e rápidos nas tarefas para depois, exaustos, podermos sentir aquela água quentinha e o banho de espuma reconfortante. O perfume desse momento é inesquecível e me faz querer ficar ali relaxando por horas.
Por isso mesmo, não consigo aceitar sua ausência nesses dias em que vim para a praia. A falta que está me fazendo é insuportável! Estou de mau-humor, reclamando de tudo, preguiçosa, e às vezes me recuso até a levantar do sofá, alegando uma dor de cabeça, para não ter que encarar o trampo sozinha.
E o pessoal não perdoa, está fazendo a maior bagunça. A festa rolando a noite toda, o bar repondo os copos de bebida sem trégua, aperitivos, jantar e até café da manhã amontoando. Alegria total e eu aqui, sozinha, cabisbaixa, só pensando no que viria depois, se você estivesse comigo.
Tremo ao pensar no resultado: aquele monte de copos para lavar, roupa para colocar na máquina, banheiro cheio de areia para limpar… Como posso encarar tudo isso sozinha?
Me sinto órfã quando você não está comigo, meu par de luvas de borracha! Como pude esquecer de te trazer?

Escritora e ilustradora, de São Paulo, capital.
Desde 2019 publica contos, crônicas e resenhas em seu blog Pincel de Crônica. É autora do livro Conto ou não Conto, publicado pela Editora Paraquedas em 2024. Participou de coletâneas publicadas pelas Editoras Metamorfose, Santa Sede, Sinete, Persona e Off-Flip. Tem textos e ilustrações publicados nas revistas eletrônicas Contos de Samsara, Palavra Ferida, Mar de Lá, Trëma , Trama Bodoque e Tato Literário, entre outras.
Uma resposta em “Órfã”
Muito legal tua crônica, Ana, as vezes um objeto é precioso na vida da gente até mesmo luvas de borracha.
Uma história bem divertida pra um fim de tarde como esse.
É isso, Ana. Um grande abraço e até a próxima.