Essa é uma crônica matinal. Como toda crônica matinal, pelo menos as minhas, haverá ira e haverá ódio.
Fui renovar a CNH. Falam muito mal do serviço público neste país. A galera da UAI (Unidade de Atendimento Integrado) de Uberlândia, no Pátio Sabiá não merece as críticas. Às 8h da madrugada, estavam todos bem a postos atendendo a fila matinal de cidadãos cuidando de suas burocracias rotineiras.
A moça que me atendeu estava séria. No atendimento ao lado, outra moça, bem sorridente, explicava pela quarta vez qual havia sido o erro da cidadã que deixou as coisas para a última hora e tinha se enganado quanto a um procedimento. Ali ela só conseguiria dar início ao processo de… sei lá. Ainda precisaria fazer mais isso, aquilo e aquilo outro.
— Mas me disseram que era aqui.
— Então. Como eu já expliquei pra senhora…
— Então eu acordei cedo, vim de moto pra cá, vou atrasar no serviço e não vou conseguir resolver isso hoje?
— Infelizmente não.
A cidadã queria xingar. Queria xingar a educada, atenciosa e sorridente atendente.
Foi então que descobri uma forma moderna de ofender alguém. A cidadã pegou o telefone, ligou para alguém (ou fingiu que ligou) e começou:
— A gente vem aqui, amiga, e o povo faz isso com a gente. Eh… Não, ninguém resolve nada nesse país não! Agora eu tô aqui, feito idiota, esperando e não vou conseguir resolver tudo hoje. Bando de incompetentes. Onde já se viu! Eh… pra você ver! Uns incompetentes…
A atendente deu a senha. A cidadã se foi. Fiquei esperando a atendente virar para a colega do lado e começar sua vingança. Não o fez. Continuou sorrindo.
Nos nossos dias, há sempre um celular para intermediar nossa ira.

Paulista, formado em Economia, trabalha como escrevente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mora atualmente em Uberlândia/MG com Carolina, sua esposa. Começou a escrever tardiamente, por volta de 2018. Desde então, tem escrito mais a cada ano. Publicou contos, crônicas e poesias em antologias diversas.
4 respostas em “Ofensa 2.0”
Há pessoas que se sentem o centro do universo, esperando que tudo gire ao seu redor. Pessoas difíceis.
Parabéns, Misael. Ótima crônica.
Entre mortos e feridos todos perdem a guerra. Realmente, vivemos em um tempo que todos querem estar sempre certos e nunca admitem as próprias deficiências, difícil tomar partido de A ou B. Parabéns pela crônica.
Verdade Misael, você testemunhou uma maneira contemporânea e digital de ofender rsrs
Adorei a crônica!
Tudo bem que tem mesmo atendentes ruins e mal-educados, Misael, mas aí a cidadã não entender as entrelinhas e as regras do troço deixando tudo pra última hora, é achar que tudo gira ao seu redor.
Dou loas a atendente que não perdeu o bom humor nesse caso. E qualquer coisa que não sai do seu agrado vira ofensa.
Estamos na era da impaciência e do imediatismo, meu caro amigo. Enquanto não entender que tudo leva tempo, vai ser assim.
É isso. Um grande abraço e até a próxima.