Na madrugada, apenas o balançar dos galhos das árvores ao vento cortava o silêncio. A lua reluzia um céu salpicado de estrelas. A temperatura agradável contribuía para uma noite de sono tranquila.
Laura, em sua cama, envolta na coberta, sonhava que era uma borboleta e voava alto. Suas asas coloridas com desenhos geometricamente perfeitos, planavam na brisa, dando-lhe a sensação da possibilidade de alcançar os seus desejos.
Deitado ao seu lado, o marido, longe dos pensamentos que habitavam o coração da mulher, ressonava em outra sintonia.
O cotidiano era entediante. Levantavam-se cedo, iam para o trabalho e voltavam ao final do expediente. Ele retornava antes e usava o tempo para assistir televisão, enquanto aguardava por ela.
Pedro, após o casamento, demonstrou características que não transpareceram no período de namoro e por maior que fosse o esforço, nada era suficiente para ele. Apontava os defeitos no tempero da comida, na roupa lavada que tardava para retornar à gaveta, na falta da bebida predileta na geladeira, entre várias outras reclamações. Todas as tarefas domésticas eram responsabilidades da mulher.
Laura contestou, mas tudo constava nas cláusulas invisíveis do contrato assinado em cartório no dia em que acrescentaram o sobrenome dele ao nome dela.
O acúmulo das funções domésticas, a não remuneração, as horas de descanso que podem ser interrompidas sem aviso prévio são apenas algumas das muitas regras do patriarcado, que apesar de arcaico, teima em continuar regendo e limitando, principalmente, o crescimento pessoal e profissional das mulheres.
Naquela noite, em seu sonho, ela era uma borboleta voando livre e ao pousar na pétala de uma flor, ouviu uma voz soprar ao seu ouvido:
Não permita que se deitem sobre as suas asas e impeçam-na de voar.
Quando amanheceu, o céu estava coberto de borboletas que partilhavam dos mesmos desejos de liberdade, segurança e justiça.

Paulistana, graduada em jornalismo. Autora do livro Falhou o Som, com poesias, contos e crônicas escritos durante o confinamento da Covid 19. Membro da Academia Independente de Letras. Participação em várias antologias, dentre elas a do Selo OffFlip de 2023 “Nós – textos de autoria feminina”. Autora selecionada para Seminário Internacional de Incentivo à Produção Científica Sobre Direitos Humanos, com o artigo “Masculinidade Tóxica do Brasil e a Violência Psicológica: Como Desconstruir o Machismo Estrutural?” Autora do livro infantojuvenil “O Sonho de Téo”, abordando os temas amizade, preconceito e realização de sonhos, a ser publicado pela Editora Labrador, em fevereiro de 2024. Integrante do movimento “Vozes Femininas” com apresentações de saraus na Livraria Na Nuvem, em São Paulo.
20 respostas em “O voo da borboleta e as cláusulas invisíveis do contrato”
Texto poético. Texto denúncia.
Parabéns, Edna.
Obrigada, Neuceli.
Estamos juntas!
A vida a dois é um dos maiores desafios na vida das pessoas, muitos reclamam das “letras miudas” que não perceberam antes do Sim, outros tantos têm a sorte de compartilhar os complementos que não imaginavam que lhes faltava, mas Deus escreve certo, sempre, sempre é preciso confiar.
É verdade, Cândido, a vida a dois é em desafio.
Vamos em frente, na busca por soluções.
Obrigada pela leitura.
Provavelmente, formar um lar e uma família seja a empreitada mais significativa na vida de um casal de amantes. O que aparenta ser um encaixe justo e afinado, aos olhos da paixão, revela engrenagens que podem tardar a se encaixar com perfeição. É preciso paciência e muito diálogo. A meta deve ser um voo conjunto e coordenado. Mas antes de ganhar asas, é preciso gestar a pupa, o que nem sempre é fácil. Um texto para homens e mulheres refletirem. Parabéns.
Com certeza, precisamos refletir muito sobre o assunto.
Obrigada por sua leitura e comentário, Vladimir.
A voz da mulher interroga intriga valida, vale o quanto pesa
Calada nada se diz então voo-me nas asas das letras.
Bela expressão em sua crônica que voeja!
Rute, voamos juntas nas letras.
Obrigada pela leitura.
Abraços
Encantador, poético e indispensável.
Que as borboletas simbólicas de Laura também adornem nossos céus particulares e, fora do casulo, todas nós possamos deixar nossos corações irrigados e nutridos com liberdade, segurança e justiça, assim como os sonhos de Laura.
Que lindo, Gabi.
Obrigada por sua leitura. Bjos
Por mais borboletas voando juntas!
Juntas e ocupando espaços “elas-nós” seguimos na luta, voando alto.
Precisamos das reflexões que o seu texto provoca, Edna!
Bjo
Obrigada, querida por sua leitura e reflexão!
Sigamos juntas nesse lindo voo.
Bjs
As cláusulas de casamento que estão no subtexto. A história de tantas mulheres. Muito bonita a reflexão, Edna. Voemos alto e pra bem longe desses padrões que deveriam estar há muito tempo engavetados. Bjs
Exato, Carina. Obrigada por sua leitura e reflexão.
Voando juntas, voaremos cada vez mais alto. Bjos
Essa cláusula invisível do contrato de casamento precisa ser banida! Já passou da hora … que todas as borboletas possam alçar voos sem limite a partir das suas asas! Parabéns pela crônica Edna! Uma verdade que precisa ser dita!
Sim, Adriana.
Seguimos juntas, pois assim somos mais fortes.
Abraços
Por mais sonhos de borboletas. E por mais despertar desses: céu repleto de liberdade, segurança e justiça.
Com certeza, Daniele.
São nossos desejos.
Bjos
Uma crônica pra fazer a gente pensar como existem ainda aquelas cláusulas do contrato chamado casamento que entrava o crescimento das mulheres lares afora nas diversas áreas de atuação.
Não generalizando, é claro, porque alguns casais tem a química da parceria em todos os aspectos da vida.
Infelizmente, não é o caso de Laura e Pedro. E a borboleta fica enjaulada devido a isso, sem voos próprios.
É aquela história: sem parcerias verdadeiras entre os dois, o patriarcado e o machismo dominam aqui.
Uma parceria que permite a borboleta voar longe em seus anseios sem que o outro atrapalhe com suas reclamações eternas.
É isso, Edna. Um grande abraço e até a próxima.
Que as parcerias se multipliquem!
Obrigada por sua leitura, Mario.
Abraços