Notas de decepção sobre um ano fracassado

Sou um cara nada afeito a frustrações. Eu devo ter falado alto demais e por vezes demais desse meu desagrado, e deu no que deu — porque vocês sabem, a Vida é pura ironia: reclamo num dia de um plano que anda mal, logo ela me manda outros fiascos.

Mas ano ano passado a dona Vida apelou, foi o ápice do sarcasmo. Comecei 2024 entusiasmado para dar forma ao sonho de, enfim, ter um ano menos frenético. Uma rotina com mais noites para filmes, em vez de eventos preenchendo todo o calendário; com horas extras de sono e não de trabalho; com tempo para fazer fermento, em vez de correr a comprar pão (e tudo mais) no supermercado…

Devo ter sonhado alto demais. Deu no que deu.

Para encurtar a história, meu ano de 2024 pode ser resumido em uma citação:

Os músculos, em uma visão microscópica, são formados por fibras longas e cilíndricas. Essas fibras são compostas de centenas de elementos delgados, de 1 a 3 micrometros, paralelas entre si e muito uniformes. Esses elementos delgados são chamados de miofibrilas que, por sua vez, apresentam segmentos funcionalmente complexos, chamados de sarcômeros. Os sarcômeros são constituídos de dois tipos de filamentos de proteínas: um mais grosso, chamado miosina e outro mais delgado, que é a actina. A contração muscular, que resulta na força muscular, ocorre quando os sarcômeros se contraem no sentido longitudinal das fibras, reduzindo o músculo de tamanho e aumentando o seu diâmetro. Esse movimento de contração ocorre quando os filamentos de actina simplesmente deslizam para dentro dos filamentos de miosina.

É que lá para fevereiro o plano de janeiro, aquele do ano calmo e blá, blá, blá, foi parar no ralo. I pictured this year a little bit different when it hit February¹. Apareceu uma “oportunidade” e me meti a concurseiro, essa desgraça desse termo, dessa coisa². De repente, estou eu estudando miofibrila, actina, sarcômero… Desilusão e desencantamento habitaram meus dias. Agora não se tratava apenas de chegar em casa e perceber que o celular ficou para trás; ou que o bacon para o carbonara está fedendo; que o gás acabou antes da janta ficar pronta; que o notebook recém saído do conserto está com o mesmíssimo problema; ou que se passou uma semana e eu não li uma linha nem escrevi uma palavra.

Era bem mais do que isso. Bem mais do que o fracasso de um projeto. Seis a sete meses de vida se esfumaçaram pouco a pouco diante dos meus olhos. Smoke, nothing but smoke… There’s nothing to anything — it’s all smoke³.

Relembro essa tragédia exatamente um ano após o ocorrido. Cá estou eu, em fevereiro, querendo um ano calmo, uma vida mais pacata, um fermento caseiro! E cá estou eu com medo de ter dito isso alto demais. Mas fazer o quê? Agora não tem mais jeito, não adianta pisar em ovos. É encarar a coisa toda e ver no que dá… É isso. Dane-se. Eu não gosto de frustrações, dona Vida. Você ouviu, não é? Eu sei que ouviu! E já sei que a senhora sabe. Mas e agora, o que é que você vai fazer? Hein? Vem! Pode vir! Pode vir!!

(ai)

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Notas:

1. Eu sei que no futuro me arrependerei de ter botado um trecho de Ed Sheeran aqui, mas… É culpa da minha esposa eu ter ouvido isso aí (e é culpa do ruivinho o verso ser bom). ↩︎
2. Eu ia fazer a ressalva, dizer que não quero ofender ninguém com essa frase. Mas seria mentira. ↩︎
3. Ah, esse verso é bem melhor, Mr. Sheeran. ↩︎