Mãe, substantivo feminino. Mulher que dá à luz, cria, alimenta, lembra que as fraldas estão acabando e que o próximo sábado é dia de vacinação. Aquela que sabe diferenciar cada choro, que guarda na memória quando o bebê engatinhou e sorriu pela primeira vez e não se esquece do nome do medicamento que funciona nas crises de alergia.
Mãe, palavra com força centrípeta, trazendo para si e matando no peito o que aparecer pela frente.
Espera-se dela, que desempenhe o seu papel de forma amável, alegre, empática, sábia, sincera, cuidadosa, inspiradora, dedicada, batalhadora, protetora, conselheira, iluminada, abençoada. Por aí segue a coleção de adjetivos colados ao substantivo mãe. Ufa!
A primeira vista parecem elogios, olhando mais de perto nem tanto. Estão mais para uma lista de exigências que só uma Santa conseguiria dar conta.
Sofrer chorando baixinho, debaixo do chuveiro não deveria ser motivo de orgulho. Ser colocada no lugar de guerreira é uma armadilha, em que se cai fácil. Parece elogioso, mas não é. É sobrecarga.
Não existe essa mágica da mulher frágil, virar uma super-heroína depois de parir. A mulher não morre quando nasce a mãe.
Mãe fica cansada, irritada, tem dias em que quer largar tudo e sumir, quer distância do cesto de roupas sujas esperando para serem lavadas, nem quer pensar na lista de compras da semana. Tem desejos, planos e sonhos habitando o depósito dos fundos, aguardando uma oportunidade de virem à luz.
Algumas mães têm companheiros que estão dentro do jogo e não se contentam com o papel de observadores passivos. Não são do time de pais, que no domingo à tarde, fecham a porta da sala durante o jogo de futebol, para não serem incomodados com os choros irritantes de um bebê faminto, o zum zum de uma criança acelerada ou uma mãe exausta. Aqueles que nem sempre falam, mas pensam: quem pariu, que cuide!
Existirá um dia em que uma mulher poderá exercer a maternidade sem culpa? Sim, ser mãe é empurrar um carrinho lotado de culpa, ladeira acima.
Haverá domingos em que ela é que vai esticar as pernas no sofá e assistir tranquilamente sua série favorita ou o torneio de basquete, sem sentir sua consciência pesando uma tonelada? Sem ganhar o rótulo de má, desalmada, folgada. Mãe doida. Mãe irresponsável.
Que não seja acusada de não ter desenvolvido seu instinto materno. Aliás, esse é um artifício milenar que só serve para recriminar as mulheres.
Um homem semear filhos com várias mulheres e ir abandonando-os pelo caminho à cargo das mães, sem dar seu nome a eles, é tão corriqueiro que é quase natural. Ele pode se dar o direito de questionar o valor da pensão alimentícia, queixar-se de que seu filho é malcuidado. Ou justificar que não queria filhos, ela os teve porque quis. Se não queria, que fechasse as pernas ou usasse um método contraceptivo. Socialmente suas responsabilidades são menores e não acumulam dupla jornada.
Existem exceções, nem todos os homens agem da mesma maneira e a compreensão sobre masculinidade e paternidade está mudando.
Neste dia das mães poderia escrever algo mais leve e menos crítico, mas não quero.
A melhor homenagem que posso fazer a todas as mulheres que são mães, inclusive à minha mãe, que não está mais ao meu lado, é dizer a elas que tudo bem errar, ficar cansada, pensar em si própria, desejar condições menos solitárias para exercer a maternidade.
Mudanças começam com o desconforto. Acabou-se o tempo em que doía e ficávamos em silêncio. Nós mães não queremos ajuda, queremos responsabilidades iguais, parceria verdadeira.
Um pai pode dar colo, chorar junto, escolher presente e levar na festinha. Pode lavar fraldas e ser o que sai da reunião de trabalho, aquela inadiável, para levar a criança ao pediatra. Mãe pode apitar o jogo de futebol, esquecer de descongelar a carne para o almoço do dia seguinte, não fazer as compras da semana.
Desejo que todas as mães, independente de sua classe social, cor, gênero ou raça, possam exercer sua maternidade com justiça, respeito e afeto.
Feliz dia das mães!

Paulistana, psicóloga, leitora. Encontrou na escrita o melhor lugar. Tem dois livros infantis publicados, “Abelardo, estropiado” pela Ed. Caravana e “Refugiadas- Escapando de um céu em perigo” pela Editora Urutau. Tem alguns contos publicados em coletâneas e revistas literárias. Participa do Coletivo Escreviventes. Em 2023 teve uma crônica premiada no 4o Prêmio Escriba de Crônicas. Atualmente reside em Piracicaba- S.P.
8 respostas em “Nem Santa, nem Super-Heroína”
Adorei, Maribel, texto muito franco, sincero e necessário. É preciso desglamourizar a maternidade e olhar a batalha das mulheres de frente. Ser mãe é maravilhoso, mas há também muitos percalços e desafios no caminho. Bjs!
Muito obrigada pela leitura e por saber que compartilhamos as mesmas inquietações, Carina. Beijos 🙂
Maribel, você definiu em sua crônica o que é verdadeiramente ser mãe.
Parabéns!
Puxa Neuceli, que gostoso ler seu comentário.
Eu sempre fico aqui pensando se consegui passar o meu recado, meu pensamento, minhas ideias.
Obrigada
A única coisa que posso dizer desse texto é um desabafo forte de mães que querem ser normais sem perder a responsabilidade.
Sem ser essa de bancar a supermãe ou super-heroína, quer apenas ser ela mesma.
Ainda está engatinhando o negócio dos homens de ser mais participativos com os filhos, por causa da bosta do patriarcalismo.
É aquela coisa. Enquanto o homem não entender que uma família é composta de DUAS pessoas e aceitar que a mulher precisa ter sua vida, vai prosseguir desse jeito.
Mesmo assim, está tendo avanços. E esperamos que continue assim.
As mulheres agradecem.
É isso. Um grande abraço e até a próxima.
Obrigada pela leitura, Mario!
Sim, existem avanços, felizmente! 🙂
Parabéns, Maribel.
A sua crônica foi perfeita. Não adianta comemorar o dia das mães e continuar sobrecarregando-as de trabalho não remunerado e culpa. Amei!
Abraço, querida!
Obrigada pela leitura, Edna!
Um abraço 🙂