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CINCO ESTRELAS

Quando eu comecei a usar a internet tudo aqui era mato. Eu testemunhei sua chegada aos lares brasileiros, primeiro nos lares alheios, depois no meu. Ainda era daquelas discadas e a gente precisava esperar dar meia-noite, ou aos domingos, para poder acessar. Porque uma coisa era ter internet, outra era poder usar, acessá-la em horário comercial faria a conta de telefone subir vertiginosamente.  

Então, eu assistia TV até soar a décima segunda badalada, corria para o computador, aguardava com esperança aquele barulho estranho da discagem até que conectava. Não tinha muito o que fazer naquela época, gastávamos nossa madrugada em salas de bate-papo perguntando se alguém queria teclar e olhando sites de letras de música, mas tudo era novo, emocionante e promissor. Com o tempo, surgiram as redes sociais e com elas o me segue que eu te sigo de volta. 

Não tem como negar que as redes sociais ajudam muito na divulgação de negócios, inclusive dos pequenos, e com tantos serviços e produtos disponíveis, em meio a publicações verdadeiras e os golpes, surgiu a avaliação. Eu acho ótimo ler as avaliações, principalmente em site de reclamações, me ajudam muito a tomar decisões e o mais importante, a escapar de fraudes. No entanto, eu percebo que nem todo mundo entendeu o propósito das avaliações, ou será que só eu entendi errado? É raro, mas acontece com frequência. 

Outro dia acordei tarde, como de costume, me atrasei, como de costume, e não deu tempo de preparar o almoço, como de costume. Com alegria pensei: vou pedir no delivery! Assim, perto da hora do almoço naveguei pelas opções nos Apps e nas redes sociais e decidi experimentar de um restaurante que nunca havia pedido. As fotos estavam apetitosas, mas eu sabia que elas tinham saído do Google, não da cozinha. Então pedi um frango à parmegiana e já comecei a sentir o sabor do molho de tomate, a crocância do empanado, a muçarela esticando. A barriga entrou em desespero. 

Muitos minutos depois meu pedido chegou, salivando já comecei a análise sensorial: senti a temperatura, os cheiros e abri a embalagem, a fome passou na hora. Meu almoço espremido na marmita tinha uma aparência triste e penosa. O molho de tomate tinha mais cor de molho shoyu. O frango estava crocante, mas não do jeito certo, o empanado estava molenga e o peito de frango duro, seco, até hoje me pergunto se de fato aquilo era frango, pois não tinha nem cara nem cheiro de frango. Tinha uma batata palha murcha e deprimida e o arroz não tinha gosto de nada.  

Eu sou do tipo que quando vai comer algo evoca todos os sentidos, a comida precisa ter aparência convidativa, o cheiro tem que ser agradável, gosto de sentir os sabores separadamente e depois combinados, perceber a crocância ou a maciez, até ouvir o som da comida cozinhando abre o apetite, sim, eu deveria ter nascido rica.  

Minha surpresa maior foi receber uma mensagem apelativa do restaurante pedindo para que eu desse cinco estrelas, para que eu não acabasse com o sonho de alguém que estava batalhando para conseguir o sustento. Por um momento cheguei a pensar que era delírio da fome. Confesso que me senti confusa. Se eu falasse a verdade sobre meu pedido eu seria uma pessoa má? Mas se eu desse cinco estrelas para algo que não foi nem meia estrela não seria o mesmo que eu dizer que o restaurante deveria continuar ruim? Pelo que entendo, a avaliação serve tanto para os clientes quanto para os proprietários. Se eu como dona de um estabelecimento recebo uma crítica, cabe a mim analisar e buscar as melhorias. 

Está tudo tão complexo que precisamos avaliar as avaliações. Não há lógica em oferecer um péssimo serviço e exigir uma ótima avaliação. As críticas sinceras deveriam servir como força motivadora para querer sempre oferecer o melhor. Não estou colocando no mesmo balaio os clientes lunáticos que alugam uma casa à beira mar e reclamam ao proprietário do movimento das marés.  Daqui a pouco, na mistura do progresso tecnológico com regresso humano daremos o conselho: não confie na avaliação de estranhos. Como não consegui chegar a uma conclusão sobre o assunto resolvi não avaliar. 

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2 respostas em “CINCO ESTRELAS”

É meio que complicado avaliar e ser sincero (e entrei em encrencas por ser sincero demais) com um dono de delivery que promete muito e entrega pouco.

Mas precisa ser direto. Avaliaria com uma estrela e diria o porquê com todo cuidado do mundo, mas sempre direto.

É ruim, mas as vezes uma crítica bem embasada pode ajudar a evoluir o trabalho da pessoa pra quem sabe acertar a comida na próxima vez.

Me lembro da época da Internet discada. Era uma batalha esperar até a meia-noite pra acessar. Os fins-de-semana era uma festa porque tinha acesso a sites de notícias esportivas e ficava sabendo em tempo real os resultados das partidas e o que acontecia nelas. Era um desafio bem divertido e inovador.

Bons tempos aqueles, Raquel.

É isso. Um grande abraço e até a próxima.

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