Foi tão rápido. Eu sai da sala de embarque, para poder fumar um cigarro entre os vôos. Desce, passa pelas malas, atravessa Congonhas. Desvia do monte de taxistas quase te colocando para dentro de um carro. Acende cigarro. Apaga o cigarro no chão se sentindo meio culpada, desvia novamente dos taxistas. Entra no lindo saguão de Congonhas. QR Code, fila do raio x. Tira óculos, celular, laptop. Junta tudo de novo e… bate a mão no bolso. Cade a carteira? Minha carteira tão pequena e prática, um porta-cartões na verdade, com a estampa da lua do filme do Méliès, que mais parece uma previsão, um insight sobre a sua dona, com seu ascendente em peixes, que já perdeu a carteira no chão do supermercado, caída na rua, dentro da própria casa. “Mas quem nunca?”
O porta-cartões dentro do qual eu sem pre coloco a minha carteira de identidade dobrada.
A verdade é que não posso culpar Méliès. Já perdi até contas de quantas vezes fiquei sem lenço e sem documento, andando por ai com apenas uma foto da carteira de identidade salva em algum grupo comigo mesma no app de mensagens. Antes desse advento mágico, eu tinha um xerox mesmo. Foram 5 carteiras de identidade desde os meus 15 anos. Tantas Marianes perdidas.
Passei mais de um ano “sem identidade”e depois que finalmente fiz outra (6 meses atrás) descobri que a anterior ficara colada entre duas páginas de um caderninho.
Parece que o acaso realmente nos protege quando andamos distraídos, ou de que outra forma explicar que as duas vezes que perdi celulares em transporte público, eles me foram devolvidos? Já deixei cartão de banco dentro de um livro na biblioteca da faculdade, que reencontrei semanas depois ao pegar novamente o mesmo livro. O acaso deve ser meu anjo da guarda particular.
Mas eu confesso, nada disso me preparou para essa. Cabeça nas nuvens, mas os pés bem fincados no meio da sala de embarque de Congonhas. Sem documento de identidade. Sem cartões do banco. Na quinta-feira véspera do Carnaval.
Será que eu moro aqui agora?

Comunicadora, formada em RRPP, com passagens por letras e cinema. Idealizadora da @EscritorPublicado e @EscritorBrasileiro, revisora, ghost writer e rata de oficinas de escrita, tentando libertar os textos de ficção da gaveta. Editora da Subtextos. Teve conto “Roletas” publicado pela seleção off flip de 2018, posta crônicas no medium e publicou Presas um livro de contos próprios na amazon.
Uma resposta em “Cabeça nas nuvens”
Adorei, Mariane!
Quem nunca se perdeu, perdeu algo ou morou em rodoviária e aeroporto? Me identifico.
Parabéns e lembranças ao seu “Anjo da Guarda”, com A. Ele, com certeza, é amigo do meu. rsrs