Por que algumas pessoas acreditam tão facilmente em notícias falsas, montagens e mensagens absurdas? Ingenuidade? Sim. Falta de senso crítico? Também. Mas parece haver ainda dois fatores indissociáveis que levam alguém a acreditar numa fake news: a relação com o emissor da mensagem e a concordância entre as suas crenças e o conteúdo da mensagem. Em outras palavras: se tenho um laço afetivo e/ou de confiança com a pessoa que emite a informação e, além disso, se o que ela diz está de acordo com minhas concepções, eu tenho mais predisposição em acreditar do que em duvidar.
Se eu simpatizasse com o movimento antivacina, eu teria tendência em acreditar ao ouvir um jornalista que admiro afirmar que a vacina pode causar câncer e aids, que jovens e crianças não precisam ser imunizados, que a vacina altera o DNA dos seres humanos, que a injeção introduz no corpo um chip para controlar as pessoas, que o sexo do bebê será modificado se a gestante for vacinada e que medicamentos para combater vermes e malária são mais eficazes que vacina. Não acreditaria apenas por ingenuidade ou falta de senso crítico, mas também — e principalmente — por ter relação de confiança com o emissor da afirmação e porque o teor dela ‘bate’ com minhas convicções.
Se a fake news está de acordo com uma crença pré-estabelecida por mim, eu tendo a acreditar; ainda mais se quem a emite é alguém com quem tenho afinidade: meu filho, mãe, neto, amiga, ficante, cônjuge, pastor ou político de estimação. Afinal, essas pessoas jamais mentiriam pra mim. Ainda que falsa, uma afirmação conveniente dita por alguém confiável ganha uma aparência de autenticidade. Por isso, o esquema das fake news funciona tão bem: a pessoa que eu quero ouvir diz o que eu quero ouvir. Entre acreditar em uma informação real contada por um desconhecido com quem não tenho empatia e acreditar numa notícia falsa dita por um amigo ou um próximo, um familiar com quem compartilho das mesmas ideias, a propensão do receptor é seguir a segunda opção.
Em um grupo de whatsapp, por exemplo, há mais probabilidade de eu crer do que questionar o conteúdo de um vídeo/mensagem/imagem/áudio enviado por pessoas com quem eu tenho afinidade – ideológica, inclusive. Logo, o trabalho das agências de checagem de informações resulta infrutífero, pois não basta provar que a mentira é mentira. Seria necessária uma dupla tarefa: romper o laço de confiança entre quem envia e quem recebe e, além disso, desfazer uma crença pré-estabelecida pelo receptor da mensagem. Porém, agências de fact-checking não detêm tal poder. Para quem gosta de espalhar fake news e entulhar grupos de mensagens com notícias falsas, é um prato cheio; ou pior, uma lixeira cheia.

Autor do livro Cronicando.
Protetor de cachorros e gatos.
Torcedor do Independente.
3 respostas em “Acreditável”
Aproveitando a deixa do final da tua crônica, a propagação de notícias falsas é como um aterro cheio pra quem quer fazer. E é bom recordar que a história é cheia dessas notícias falsas que viraram verdadeiras como aquela do Protocolo dos Sábios de Sião que diziam que os judeus iriam dominar o mundo e tinham que ser contidos a qualquer custo. Isso tudo foi obra de grandes falsários que provocaram inconscientemente o Holocausto, se não me falha a memória. Então, meu bom amigo, vivemos com essas fake news desde os tempos remotos. E quem garante que todos esses livros tipo Biblia, Corão e tantos outros são mesmo verdadeiros e que foram de fato escritos por Deus? Na verdade, tudo é acreditável desde que nascemos.
Afinal, se os pais dizem que devemos acreditar em determinada coisa a gente crê até debaixo d´agua, certo?
Até a próxima. Bom trabalho.
Obrigado pela leitura, Mario Gayer. Sim, as fake news estão no mundo desde sempre. Atualmente elas se propagam com mais velocidade e alcance.
É a pós – verdade, meu amigo! Muito bom o texto! Um abraço!