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A Liberdade dos Poetas Malditos

Vendo o filme “A Decadência de Joe Albany”, entendi que sou como ele, sem a heroína, um poeta maldito. Isso me deu uma grande sensação de liberdade.

Todos nós, poetas malditos, procuramos a salvação. Seja na arte, seja na religião. Um Homem que sabe da sua miséria, ajoelha e pede misericórdia. A arte, minha religião, apesar de ir ocasionalmente à igreja em busca de cura, me salva e me amaldiçoa. 

Não tenho outro “fazer” neste mundo senão a arte. Eu não faço nada igual. Nada igual a ninguém. Não acerto no que a instituição-sociedade diz que é o certo. Talvez daí venha o “maldito”. 

Sim, eu gostaria de ter um carro caro, sim, me incomoda a falta de dinheiro, não vender minhas pinturas e não ter certeza se estou tocando bem minha guitarra e meu piano. Não conseguir lançar meu livro de crônicas.

Vi uma foto de Jack Kerouack às cinco da manhã passando frio no inverno, esperando uma banca de jornais abrir para ser o primeiro a ler a crítica do seu livro. Eu entendo isso. Quantas noites passei, ela toda, pintando até acabar o cigarro e espera dar seis da manhã pra padaria abrir e eu poder comprar mais cigarro e café?!

Deixei de ser um personagem, mas todo dia é uma luta para deixar de ser um personagem, que a gente cria como máscaras sociais. Personagens da nossa própria imaginação, como quando nos olhamos no espelho e tomamos um juízo estético. É só uma opinião, não é uma verdade, uma opinião que muda daqui a pouco, que é distorcida.

Sim, estamos “condenados à liberdade”, mas poucos conseguem ter força para aguentar isso. A maioria vai com a manada. Poucos conseguem ser felizes com esse vaticínio. Pra ser feliz livre é necessário fazer algo que dê sentido à existência. Acredito que a arte faz isso. 

Por que Monet pintava as ninféias? Porque eram belas, e a beleza – uma gota, um ponto, um pingo de beleza – dá sentido ao mundo, à vida? Essa é nossa missão, nós poetas.

Se o poema é sobre a embriaguez ou sobre a beleza ou sobre a feiura, não importa, está falando com a coragem de ser livre. É como pegar uma ponta de carvão e um papel e começar.

Começar a pintar é sempre pegar uma tela em branco e pintar como se nunca tivesse pintado antes. É enfrentar o medo de fazer um trabalho ruim. E é muita energia necessária pra começar a enfrentar o vazio.

E se eu nunca “der certo”? E se nunca meu trabalho “chegar lá”? Joe Albany tocou com Charlie Parker, um dos nossos heróis. Joe foi demitido da tal “gig”, não por tocar mal, pelo contrário. Viveu na pobreza, mas viveu. Covardes não fazem arte. Covardes fazem o que os outros fazem. A arte precisa ser original, senão ninguém para pra ver, ou ler, ou escutar.

A heroína de Joe Albany ou de Bird entra aí. Uma embriaguez que não condeno, mas de que me vejo livre, uma embriaguez que alivia o “real”, o “muito real” que é isso tudo que vemos e vivemos quando acordamos. A dureza da realidade, essa maldição chamada “força da gravidade” que me impede de voar, inclusive quando sei que estou sonhando.

A sensação de liberdade vem daí, de estar aqui, nesta situação, neste mundo que me cerca, que estranho, e saber que aqui estou solto, desplugado.

3 respostas em “A Liberdade dos Poetas Malditos”

Liberdade. Esta palavra foi o motivo, Bernardo, por querer ser escritor. (E também porque é a única coisa que sei fazer de melhor na vida.)

É perder o medo e arriscar tudo, mesmo sabendo que não vai dar em nada de relevante, mas prefiro ainda acreditar parafraseando Mumm-Ra, o Eterno: “Enquanto o leitor existir, o escritor viverá!!”

O pintor viverá, o escultor viverá. Trocando em miúdos, o artista viverá.

Talvez sermos os “malditos” da arte seja o preço por gostarmos tanto dela, mas pagaremos com muito prazer.

Não seremos ricos, é verdade, mas somos livres pra voar até o infinito e além com nossos trabalhos.

Por que no fim das contas, o que vale, Bernardo, é o legado e não o lucro.

É isso. Um grande abraço e até a próxima.

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