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crônica

A granada de todas nós (parte 1)

Faltam poucos dias para eu filmar mais uma obra onde assino direção e roteiro. Estou muito empolgada, pois dessa vez, por se tratar de uma ficção, a equipe é maior do que estou acostumada. Nos últimos anos só tenho feito filmes experimentais ou documentários, sendo assim minha equipe em set consistia em três pessoas contando comigo. Depois, na pós-produção, se juntava um compositor de trilha sonora e um sound designer. Dessa vez, após anos desde minha última ficção, irei estar com uma equipe de 20 pessoas dentro de um apartamento no bairro Petrópolis. É um filme denso, quase não há diálogos e trago para o público a temática do puerpério. E trago de uma forma que acredito nunca ter sido abordada antes, mas não darei spoilers. O que quero dizer é que enquanto artista, mulher e mãe sinto que estou a todo instante com uma granada nas minhas mãos. Ela está sem pino e eu tenho que buscar um equilíbrio absurdo ora com a cabeça baixa de olho nela, ora com a cabeça levantada vislumbrando o horizonte e me mantendo visível e firme para que eles não passem por cima de mim. No último mês percebi que não sou a única.

Eu engordei mais de dez quilos em um período de 6 meses. Isso ocorreu pelo fato de eu já ser uma pessoa negligente com minha saúde somada ao fato de eu ter ficado enclausurada escrevendo cerca de 6 projetos para editais públicos. Sozinha. Fui aprovada em 4. Praticamente um recorde entre meus colegas da classe artística. Estou feliz em poder viabilizar e trazer aos olhos do público obras que tenho um carinho muito especial e histórias nas quais acredito. Eu só sei trabalhar dessa maneira. Mas, voltando aos quilos. Eu não comia comida de verdade. Somente doces e muito lanche. Claro que o resultado não poderia ser diferente. Tenho a felicidade de partilhar a vida com um homem que se mostra muito apaixonado. Nunca duvidei do que ele sente por mim. Ele não precisa nem verbalizar, o olhar dele já diz tudo. E eu nunca me senti tão amada e admirada como eu me sinto por ele. 

No início do ano fui à igreja com uma familiar. Não gosto de igreja, não sou católica, apesar de ter sido batizada, no entanto fui até lá em respeito a fé dela e dos movimentos que ela fez dentro do que acredita em prol da minha saúde e do meu sucesso. Se ela acredita que se ajoelhar, acender velas, fazer promessas para um santo adianta, fico feliz por ela me incluir na fé dela. A fé e a esperança são sentimentos muito bonitos. Pois bem, fui lá na igreja. Cheguei atrasada, mas consegui sentar ao lado dela. No meio das falas do padre, ela tocou meu rosto e meu cabelo para dizer que estavam feios. Falou da minha roupa também, pois costumo andar de preto, coisa que ela desaprova e jura atrair energias ruins. Terminada a missa, fomos acender velas. O que eu gosto, ver a parafina derreter e fazer malabarismos para manter a vela em pé e acesa. Saindo dali, ela meteu a mão por dentro das minhas calças para beliscar e bater na minha bunda e reafirmar o que ela já disse: minha bunda está enorme. O que dá direito a outro ser humano de invadir o corpo do outro? E ainda, de julgar o corpo do outro?

Há cerca de um mês do ocorrido na igreja, fomos num churrasco de família. Eu estava muito feliz, já que retomei o contato com esses familiares há menos de um ano. Quando estou com eles fico melancólica, pois lembro de minha infância — que foi muito solitária e dolorosa, mas que ainda assim teve momentos bons. E, muitos deles, passei com essas pessoas. Logo que cheguei lá, uma pessoa da família, também uma mulher, me olhou de cima para baixo e disse: o que aconteceu contigo? como que tu está desse tamanho? tu era tão bonita e magrinha. Ela falou isso na frente de meu filho e de meu companheiro, que não entenderam nada e ficaram desconcertados, assim como eu fiquei. Alguns minutos se passaram e ela resolveu ir atrás de mim novamente. Eu estava sentada com meu companheiro e o enteado de um primo. O menino gosta muito de cinema e nos olhava com admiração e curiosidade para entender sobre o meio e sobretudo sobre nossa trajetória e produções. Era visível o quão deslumbrado ele estava. No mesmo ambiente, fora do círculo, mas de olho na nossa conversa, estava a familiar que antes havia questionado meu corpo. Com um copo de cerveja na mão e as pernas cruzadas, ela não tirava os olhos de mim até o momento que ela julgou necessário interromper nossa conversa. Ô coisinha, me conta, como que tu foi ficar desse tamanho? Tu não vai parar de engordar? Não bastou me humilhar na frente do meu companheiro e filho, agora ela precisava interromper uma conversa saudável onde um jovem se interessava pela artista que eu sou, pela profissional que sou e pouco se importava com meu manequim. Mais uma vez, uma mulher, que assim como eu tem de segurar essa maldita granada, jogava sua violência pra cima de mim. Com 31 anos, muito bem casada e com um filho que amo e muito me orgulho, quis enfiar minha granada pela goela dela e perguntar: qual o prazer de reproduzir a misoginia com outra mulher?

2 respostas em “A granada de todas nós (parte 1)”

Muito legal que você abordar esse tema Natalia! Como mulher, eu agradeço 🙂
P.S. Boa sorte com seu filme, avisa a gente quando lançar. Quero assistir!

Será que as pessoas cruzaram a fronteira da privacidade a ponto de opinar sobre o corpo de outra?

Realmente é uma granada sem pino que acaba destruindo a autoestima delas. Tem gente que não aprende mesmo.

E não é só isso. Acaba ainda desestimulando um garoto interessado no seu trabalho a seguir seus passos como uma grande cineasta.

O cinema não é muito meu forte, mas torço por seu sucesso nesta empreitada, minha amiga.

É isso. Um grande abraço e até a próxima.

P.S: Mal posso esperar pela segunda parte.

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