Eu lembro de estar deitado no sofá assistindo ao tradicional futebol do domingo e conversando em um grupo de esportes no Whatsapp. Quando alguém mandou a notícia, tinha cara de piada, daquelas de mau gosto. Um e outro colegas começaram a dizer que outros sites estavam confirmando. Parecia ser verdade.
Faltam poucos dias para a 33ª edição dos Jogos Olímpicos de Verão. Eu não vejo a hora. Há mais de um ano escrevendo neste Blog e eu não me lembro de ter feito uma crônica esportiva. Estranho; eu amo esportes. Não digo que amo praticá-los, mas vê-los (a primeira coisa que fiz ao começar a trabalhar foi colocar uma TV por assinatura em casa). Minhas memórias mais antigas incluem jogos do Palmeiras na extinta Mercosul, nossa primeira Libertadores, o vice do Brasil para a França de Zidane em 98, eu e minha irmã pintando os mascotes das Olimpíadas de Sidney…
Estranho como o esporte coloca a gente em contato com pessoas e tempos que nós não conhecemos. Porque outra das minhas lembranças antigas é de também desenhar, pintar, colar adesivos, e ler historinhas de um tal Senninha. Meu pai sempre disse que o Ayrton tinha sido o maior piloto de todos os tempos. Eu não tinha nascido para ver seu primeiro título, em 88 e era muito novo para me lembrar dos de 90 e 91. Graças a Deus eu não tinha TV em 94. Não vi o GP de San Marino, não vi a Tamburello, não vi a Seleção tetracampeão do mundo entrar num campo dos Estados Unidos com a faixa em sua homenagem. Não vi uma única corrida do Senna e cresci com o maior orgulho por ele ser brasileiro.
Neste mês de maio completaram-se incríveis trinta anos desde que tudo aconteceu. A comoção que vi foi proporcional ao que ele representava. Sua grandeza e a tristeza por sua partida me fizeram lembrar daquele domingo assistindo futebol e conversando num grupo de esportes.
Eu também não vi os dias de ouro de Kobe Bryant nos Lakers (ainda não tinha a TV por assinatura). Acompanhei os últimos anos, os históricos 60 pontos no último jogo, o Oscar pelo emocionante “Dear Basketball“, a carta “Dear Kobe Bryant, I Hate You” de um fã do Boston Celtics, o maior rival, escrita em homenagem ao adversário quando ele se aposentou…
Lembro perfeitamente do narrador confirmando a morte do Kobe e da filha num acidente de helicóptero. Era verdade. Foi meu 1º de maio de 94. Talvez a morte mais terrível de um esportista depois do Senna. Naquela noite, eu escrevi alguma coisa que ficou engavetada por anos. Dias atrás, neste mês de maio, lembrei do Senna, lembrei do Kobe, lembrei do texto:
O quarto ainda estava escuro, mas já uns feixes de luz atravessavam a janela. Os primeiros barulhos eram pios finos e distantes dos pássaros, o roçar do corpo nos lençóis, uma moto acelerando em frente à escola do outro lado do quarteirão. Os primeiros pensamentos são resquícios de um sonho não lembrado. Aqueles momentos iniciais do dia traziam a esperança de que as imagens que tentavam se encaixar na mente fossem esses resquícios. Ou melhor: talvez os próprios pássaros, a moto e os feixes de luz fossem ainda irreais. A ideia de alguma notícia parecia se fixar, e vinha acompanhada até mesmo da fonte das manchetes de jornais, duma tarja vermelha… Ah, isso já aparecera num sonho de outras semanas. Um helicóptero? Mas isso não aconteceu mesmo? Ora, foi ontem! Mas que dia é hoje? Ontem foi ontem mesmo, ou um sonho também? Sim, sim, já é hora de acordar. A mesa do escritório e os papeis deixados na sexta-feira passada trazem à mente que tudo é real. Ele ouve a respiração e tem certeza. Limpa os olhos. O helicóptero é real também. Não, talvez… sim, é real. Então… Então… sim, foi ontem. Meu Deus. Era tarde, ninguém acreditava, mas… deve ter sido um sonho! Não seria o primeiro sonho trágico, melancólico… Foi antes do banho. Antes de sair de casa. Sim, sim. Foi ontem. Lembrou-se da tarja vermelha, “urgente”, o celular disparando mensagens. Na tela da TV, a fumaça vinda dos restos do helicóptero. O repórter tinha a voz embargada. Sim, tinha acontecido. Era real. Tão real que ele se lembrou de como tudo, na hora, pareceu um sonho, não fez qualquer sentido. E continuou não fazendo, durante a noite toda e o início da madrugada, antes de dormir, antes de ajoelhar e orar pela família que ficou. Ele se ouviu engolindo seco e deitando novamente, olhando vago, com a esperança de que tudo fosse um sonho destruída.

Paulista, formado em Economia, trabalha como escrevente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mora atualmente em Uberlândia/MG com Carolina, sua esposa. Começou a escrever tardiamente, por volta de 2018. Desde então, tem escrito mais a cada ano. Publicou contos, crônicas e poesias em antologias diversas.
Uma resposta em “Senna e Bryant”
Muito legal essa crônica, Misael. Eu mesmo que trabalho com crônicas esportivas faz muitos anos me fez sentir rever tudo aquilo de novo.
Posso te dizer com todas as letras que o Senna era um excelente piloto mesmo. Tive o privilégio de acompanhar todas as corridas dele e os títulos também. Domingo sempre é um dia sagrado pra mim (hoje mesmo vi o Max Verstappen ganhar em Ímola e estou aqui já preparando a crônica da corrida pro meu blog) e mesmo com a morte do Senna nunca deixei de assistir corridas de Fórmula 1 nem de registrá-las. (Por favor, não fique tão surpreso, vejo corridas desde meus tenros dois anos de idade lá na época do Emerson com a Copersucar). Me lembro bem deste dia, Misael. Vi a corrida junto com a minha irmã lá no Fragata, onde morava na época e fiquei tão chocado e paralisado com a morte dele.
Me lembro do velho e bom tampicross que praticávamos nas areias da praça. Em outro momento te explico melhor como era o procedimento.
A morte do Kobe Bryant foi mais impactante pra mim porque tive o privilégio de vê-lo jogar (e massacrar por vezes o meu Chicago Bulls) junto com Michael Jordan e depois os duelos com LeBron James. Fiquei sabendo no intervalo do jogo do Brasil de Pelotas contra o Grêmio que estava assistindo naquele dia.
O esporte sempre fez parte das nossas vidas e a minha é bem mais profunda. Tanto que rendeu até mesmo um livro a quatro mãos sobre o clássico Bra-Pel (Brasil de Pelotas e Pelotas) em 2008. Bons tempos aqueles.
Pra mim, o que me impactou foi o acidente que o time do Brasil de Pelotas sofreu em 2009 quando voltava de Canguçu e ali morreu um dos maiores jogadores que o Xavante já teve, Claudio Milar. Como ele jogava, meu amigo. Jogava muito.
Por essas e outras que o esporte (futebol, automobilismo, basquete) sempre estará ligado a nós, seja em memórias escritas, lidas ou vistas por nossos olhos.
É isso, Misael. Um grande abraço e até a próxima.