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Uma agenda vazia

Mexendo em alguns livros antigos, encontrei uma agenda completamente vazia, recheada apenas de memórias e um cartão postal de meus pais, que estavam em viagem, na Alemanha, lá no ano de 1993, quando a compraram para mim. Eu tinha oito anos. Pouco bom uma lembrança atravessar o dia assim, de forma inesperada? Gostei tanto, mas tanto da agenda da Barbie, da Mattel (toda em italiano, rosa do princípio ao fim). E nunca escrevi sequer meu nome nela.

Resolvi guardar a tal da agenda em uma estante no alto, fácil de visualizar mais intocável, como um totem. É como se virasse um lembrete bonito do meu passado.

Inspirada pelo livro “Putz, sério que fiz isso?”, de Patrícia Guimarães, hoje tive vontade de conversar com aquela menina que fui, aquela menina que guardou a agenda em branco. Medo de estragar, tal como fazíamos diante dos papéis de carta perfumados, todos guardados sem resquícios de uso. Na obra literária, a autora Pati revisita seu diário da adolescência e “conversa” com sua versão confusa e juvenil. Já imaginou como seria o seu diálogo com uma versão mais nova e menos pronta para tudo?

No alto de meus 38 anos, imaginei o que eu diria a mim mesma com apenas 8. E agora digo. De cara: você tem toda uma vida pela frente. É um clichê imortal e certeiro. Você vai gostar muito de estudar, ser doida por livros e fazer disso seu propósito maior. Vai converter uma paixão em razão de viver.

Alguns percalços no caminho, é claro, sobretudo no final da adolescência. Você vai sofrer perdas, algumas bem nova, na fase da introspecção. E depois de perder? Você seguirá perdendo. Os ganhos são pontuais, a despeito de as redes sociais, daqui a alguns bons anos, começarem a mostrar minivitórias diárias de todos ao seu redor. Isso mesmo, verá concretizado o “nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”, de Fernando Pessoa.

Mas o que se esvair de sua vida encontrará lugar no papel: escreva, escreva mais, escreva sempre. Escreva mesmo sem leitores. Comece a escrever o quanto antes. Um dia eles descobrirão onde você se refugia. Faça de seus danos a alma de suas linhas.

Você ainda não sabe, mas dificilmente terá outra agenda vazia… a escrita vai preencher, sim, os vazios. Alguns deles.

Então, me abstenho aqui de contar os maiores, os faraônicos erros. Eles vão pavimentar caminhos. Nada de spoiler nem de ansiedade: tudo será vivenciado a seu tempo.

Enfim, o último recado vem de José Saramago (um dia você saberá quem é): não tenha pressa, mas também não perca tempo.

Você tem uma vida toda pela frente.

A preencher.

Você tem uma agenda vazia.

3 respostas em “Uma agenda vazia”

Gostei bastante da crônica Genevieve Fae. Leitura bem agradável e fluida. Sobre conversar com o nosso eu do passado, pergunto se nossos pais e filhos não são nossas versões do passado e futuro respectivamente? Às vezes tenho a impressão de que buscamos dentro de nós algo que está à nossa volta e de tão fácil acesso.

Muito boa e prazerosa tua crônica. As vezes, fica aquela vontade de rever o seu eu do passado e dizer a ele que você passará por muita coisa e mesmo assim superará tudo.

Nesse caso, meu eu do passado vivia em seu mundo lendo livros sem imaginar que sua vida estava em jogo.

Diria pra ele: – Você vencerá e conhecerá muitas pessoas, mas pagará um preço alto.

Te darei uma dica: escrevo diários desde 2019 e o que descobri me surpreendeu.

Boa crônica mesmo. Até a próxima.

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