Sexta-feira. Acordei, escovei os dentes, lavei o rosto, tomei um banho, um café da manhã dos campeões e fui com minha esposa à academia. Uma hora intensa de treino preparava nosso corpo, mente e alma para os desafios daquele dia! Voltamos devagar, sem pressa, de mãos dadas, aproveitando para ter os minutinhos de exposição ao sol de que todos precisamos — estudiosos dizem que quinze minutos de banho de sol por dia são o suficiente para a produção de vitamina D.
Em casa, mais um banho, um shot pós-treino, uma bananinha, outro shot de imunidade. Aí a Carol foi fazer alguma coisa e eu fui trocar umas lâmpadas, pagar umas contas, jogar duas partidas rápidas de xadrez e tomar um cálice pequeno de vinho antes do trabalho (dizem que xadrez e um cálice diário de vinho podem ser o segredo da longevidade). Almoço, outra fruta de sobremesa, um breve cochilo e, então, levei a Carol pro trabalho — ainda deu tempo de pegar umas roupas na lavanderia, tirar o lixo, verificar o nível do radiador e trocar, como faço periodicamente, o líquido de arrefecimento.
A tarde de trabalho foi produtivíssima. A cada hora lidando com processos e filas e preocupações, eu, obviamente, levantava por 5 minutos, fazia um alongamento, um exercício respiratório e voltava. É claro que a garrafa de água está sempre ao lado! Isso me permite performar melhor ao longo do dia.
Findo o expediente, peguei uma maçãzinha e fui lavar a louça. Lavei tudo, limpei o fogão, o chão, os armários, temperei a carne para o almoço do sábado e tirei minha meia hora diária para estudar mandarim no Duolingo. Estudiosos dizem que o mandarim pode ser o próximo idioma universal. Além disso, treinar nossa mente com um novo idioma propicia progressos imensos em muitas regiões do cérebro. Outros estudiosos dizem que trinta minutos por dia são o suficiente para isso — não tem por que não fazer!
No caminho até a Prefeitura, deixei meu notebook no conserto, levei o carro para uma perícia, e resolvi as pendências com o recibo do veículo — foi rapidinho; essas coisas de recibo, de carro, documentação, é tudo bem rapidinho!
Aí peguei a Carol e iniciamos o nosso fim de semana fazendo compras! Aquela comprinha de mês, coisa rápida. Compramos, pagamos, trouxemos os produtos, limpamos um a um com álcool em gel, colocamos as folhas numa bacia com bicarbonato de sódio (estudiosos dizem que deixar frutas e verduras em uma bacia com água e bicarbonato de sódio ou água sanitária durante 15 minutos é essencial para higienizar os alimentos), guardamos arroz, feijão e café nos seus recipientes próprios, os temperos e condimentos no potinho…
Aí, enquanto a Carol aspirava a casa, fui estudar um pouco. A vida de casado me levou à necessidade de saber mexer com dinheiro, investimentos. Aí, claro, comecei uma pós-graduação de valuation. Em pleno século XXI pensar que há pessoas que não ocupam cada pedaço do seu dia com algo que agrega valor é… nossa, nem sei o que dizer!! Fiz duas aulas, uma avaliação, adiantei um trabalho…
Depois, eu e a Carol saímos para jantar. É importante ter nossos momentos a sós. Aí chegamos, tiramos um tempinho para dançar, analisamos o orçamento do mês, compramos as cortinas, os tapetes e os remédios de que precisávamos, eu arrumei um defeito na fechadura da porta, troquei o chuveiro do banheiro social e, por fim, fomos assistir a uns 3 episódios de uma série…
Depois disso, enquanto a Carol se divertia e alavancava seu capital intelectual com umas palavras cruzadas, eu fui terminar de escrever uma crônica, já que minha deadline estava um pouco apertada. Mas eu tinha tempo o bastante até o fim do dia e consegui entregar.
O chá de camomila foi a quinta e última refeição balanceada do dia. Depois de uma hora de exercícios, dois litros de água, três frutinhas, e quatro músicas alegres (eu não falei sobre elas, mas estavam lá, discretamente presentes na rotina), agora faltava pouco! As seis páginas de leitura do dia (estudiosos dizem que algumas poucas páginas diárias são o bastante para movimentar nosso intelecto e nos abrir inúmeras perspectivas de um mundo tão imenso e tão diverso) saíram de um livro do David Foster Wallace, e, depois da leitura, já na cama, eu e a Carol ficamos conversando sobre a sua biografia inspiradora e dramática, sobre os seus temas — essa coisa da modernidade assustadoramente opressiva, dos afazeres quase sempre vãos que se impõem num dia a dia que parece escrito pelo Qohelet de Eclesiastes —, a semelhança com o Philip Roth, e como o próprio estilo do Wallace às vezes parece moldado para oferecer, na sua forma, a crítica de conteúdo que faz — essa coisa, essa voz quase ininterrupta de um cara que pensa mais rápido do que fala ou escreve, e que fala de um mundo que corre cada dia mais (atrás de sabe-se lá o quê), e que, por isso, constrói parágrafos enormes que nos deixam desesperados, já que queremos e advogamos os parágrafos curtos!, e torcemos o nariz com coisas como o artigo VI do capítulo XV da Confissão de Fé de Westminster, ou, pior, o primeiro parágrafo d’A Morte de Virgílio, do Herman Broch, com suas 14 linhas seguidas, aparentemente intermináveis, as 20 vírgulas, e ficamos completamente sem saber o que fazer diante disso tudo, porque, afinal, parece não restar mais tempo para parar e, com calma, fazer o que realmente importa…
Enfim…
Sabe-se lá como, desse papo sobre o Wallace, saíram os mais ou menos sete minutos de risadas de que nós (todos nós!) precisamos todo dia, e, já com telas desligadas há um tempinho (estudiosos dizem que desligar as telas pelo menos 1 hora antes de dormir ajuda a desacelerar a mente e a produzir um sono de maior qualidade), e apenas a vela do quarto acesa, estávamos prontos para nossas oito horas de sono! Não sem antes, claro, passarmos nove minutos refletindo sobre as coisas boas e ruins, os desafios e as superações do dia que estava por acabar! Agora nossa sexta-feira tinha sido nota dez! Ufa.
Satisfeitos, felizes e sorridentes com mais um dia produtivo em nossa vida perfeita, a Carol e eu fomos dormir o sono dos justos, pontualmente, como sempre, às 37 horas da noite.

Paulista, formado em Economia, trabalha como escrevente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mora atualmente em Uberlândia/MG com Carolina, sua esposa. Começou a escrever tardiamente, por volta de 2018. Desde então, tem escrito mais a cada ano. Publicou contos, crônicas e poesias em antologias diversas.
11 respostas em “Um dia perfeito”
Sensacional, Misael!
Adorei o texto. O embasamento dos estudiosos para tudo e o computo final das horas hahahah muito bom!
Muito bom! Um singelo e perfeitamente possível dia de 37 horas, seguindo orientações de todos os estudiosos. 😂
obrigada por desvendar aquela que acompanha a monstruosa utilidade que vem carimbando os dias vividos: a impossibilidade cômica!
Uma rotina saudável, talvez exemplar a qualquer pessoa no mundo. Gosto de Philip Roth. Meu preferido é o homem comum, quando o leio com mais atenção, a lembrança de Luís Fernando Veríssimo, é acolhida. Talvez com pouco menos humor e menos pessimismo. Do alto da ignorância que me prevalece, porque a ignorância pode ser uma benção, revejo o seu mundo multiverso. E não é fácil imaginar.
Leitura boa instrutiva e agradável. Inspirador para organização de uma rotina de vida!
Fiquei por imaginar a quantidade de horas que você gastou para realizar todas essas tarefas, depois de tanta dicas dos estudiosos e notei que você conseguiu se sair bem em suas 37 horas diária
Kkkkk
Muito legal, tem muitas dicas valiosas
Pensei em comentar de forma detalhada, expondo cada aspecto da crônica, mas prefiro não atrapalhar sua perfeita rotina (e a de cada, eventual, leitor), portanto contento-me com um: Ótimo trabalho!
Que loucura, um dia como esse realmente tem que ter mais de 24 horas. Muito bom, uma rotina meticulosamente programada e seguida a risco.
Boa noite amigo,adorei a sua rotina diária, academia, alimentação são fundamentais para quem quiser uma boa dieta, e claro literatura, até ano passado não sabia que ler era tão gostoso e fascinante, esse ano estou consultando com uma psicóloga e ela me aconselhou a praticar literatura,em março comecei a ler e já são 10 livros até agora em agosto e não pretendo parar nunca.
Invejo quem pulula o dia de atividades. Quem vai para academia, que lê, quem escreve e quem namora. Que bom que encontrou alguém que embarca com vc.
Legal a descrição de sua rotina, meu amigo.
A minha é acordar, dar comida pros cães, preparar o café, fazer palavras cruzadas, treinar bastante leitura e escrita, limpar a casa, preparar a mesa pro almoço, dormir de tarde, escrever no meu blog e ler textos como o seu comentando e aprendendo com os colegas a arte da literatura através disso. Depois quando tenho tempo, jogo videogame e vejo corridas quase todos os domingos tipo Formula 1 e Indy também pra fazer análises delas no blog. De noite, comida pros cachorros, uma ou outra série quando tenho um tempo e escrever no meu diário (por favor, não ria!!) antes de dormir.
É isso. Cada um com seu dia perfeito e feliz, embora com algumas turbulências de vez em quando.
Um grande abraço.