
Comprei uma passagem e fiz uma viagem ao passado. Voltei trinta anos.
Termino a frase e percebo que escrevo como se fosse possível que a vida imitasse uma antiga fita VHS: terminada a sessão de cinema no sofá, rebobinamos a fita e voltamos ao início quantas vezes forem possíveis.
A viagem foi planejada para apresentar minha filha ao lugar onde nasceu. Desejo legítimo dela e me pedindo presença.
Reencontrei a antiga casa, o jardim bem cuidado, agora uma pequena floresta. Na vizinhança prédios novos e outros em construção, o playground com os mesmos brinquedos e muito mais próximos da casa do que a memória registrava.
Uma alegria rever o lugar em que morei por exatos treze meses. Onde fui feliz, vivenciei minha primeira gestação, descobri o que é saudades da terra e da língua mãe. Lugar que se transformou em imagem carregada de afeto. Local que vive dentro de mim. Sempre viverá. Mas não é mais o mesmo, não é mais meu.
Para alguns, o passado pode ser mais presente do que o dia de hoje. A quem viva de lembranças, de fotos, de memórias. A quem viva como um fantasma, mantendo amarrado ao tornozelo uma bola de ferro que pesa vinte anos, dois dias ou a infância inteira. Sem forças para dar um passo adiante, mora num campo de ilusões, terreno fértil para mágoas e arrependimentos.
Não fiquei triste por não rebobinar a fita VHS do filme de exatos treze meses. Se na época era o filme inteiro, agora é um trecho de uma película maior. Se fosse um livro seria um capítulo. Muitos outros se escreveram depois. Está sendo escrito agora, diante do computador, comigo aqui, teclando essa crônica.
O passado vive dentro de nós, mas não nos representa mais. É uma fração do caminho. Sorte de quem pode sorrir ao se lembrar dele, enquanto segue em frente .
Não voltei trinta anos. Estou trinta anos à frente.
Viva a vida que acontece no presente!

Paulistana, psicóloga, leitora. Encontrou na escrita o melhor lugar. Tem dois livros infantis publicados, “Abelardo, estropiado” pela Ed. Caravana e “Refugiadas- Escapando de um céu em perigo” pela Editora Urutau. Tem alguns contos publicados em coletâneas e revistas literárias. Participa do Coletivo Escreviventes. Em 2023 teve uma crônica premiada no 4o Prêmio Escriba de Crônicas. Atualmente reside em Piracicaba- S.P.
10 respostas em “Rebobinar o tempo?”
Lindo, Maribel! O tempo, esse é um tema que me envolve também.
Passado, presente, futuro, tudo entrelaçado.
Parabéns pela crônica!
Abs,
Carina
Tempo é o meu tema atual. Legal saber que é um interesse seu também.
Obrigada pelo retorno, Carina.
Bjos
Que crônica linda, Maribel. Adorei a forma como conduziu as lembranças do passado à vida presente.
Parabéns, querida!
Obrigada, Edna! É muito bom ler seu comentário:)
Que lindo!
Obrigada pela leitura carinhosa, Bruna! 🙂
Pois é, Maribel, tem situações que gostaria de rebobinar o tempo pra poder voltar a gostar de um esporte que eu adorava antes de ser corrompido chamado futebol.
Mas sei que isso acabou e que infelizmente devemos seguir em frente. Porém o futebol fez (ou ainda faz, não sei) parte da minha vida seja escrevendo, ou vivenciando ou torcendo outrora pro meu time de forma limpa e honesta. Um jogo autêntico e de verdadeiras emoções que não existe mais.
Realmente, Maribel, os tempos mudaram e nada mais é como antes. Mas o que me consola é que pude viver intensamente os bons tempos onde amava este esporte bretão que fez parte de minha infância e adolescência.
É isso, minha amiga. Uma linda crônica que serviu pra um bom desabafo nestas horas tão dificeis.
Um grande abraço e até a próxima.
Fico feliz que o texto te levou para essa reflexão sobre o futebol, Mario. É bacana ver como as crônicas reverberam do outro lado da tela. Obrigada por sua leitura. Um abraço 🙂
Maribel, que bela crônica!
Passado e presente estão ligados pelo fio da memória. Sempre vai estar…
O tema tempo tem me pegado de jeito rsrs Obrigada pela leitura, Neuceli!