Algumas pessoas não gostam que perguntem a idade, a confirmação de um fato nem sempre é agradável. Não tenho problema com isso, expressando verbalmente ou não, meu corpo está dando os avisos, insistindo em me lembrar que o tempo está passando. Mas tem um ruído na comunicação. Sempre brinco que minha mente é uma pessoa à parte que me habita, ela tem vontade própria. Por mais que eu diga “não pense nisso”, “deixe isso para lá”, minha mente tagarela fica “está lembrada do que aconteceu da última vez, não é?”, “como você vai resolver isso?” e com maior frequência “e agora?”, “e se?”.
Então, por mais que meu corpo sinalize a idade que tenho, minha mente não concorda, pensa que ainda somos “xovens”. Minha coluna está aqui, acabada. Não posso fazer movimentos bruscos que o mundo vira um carrossel. Se eu me levanto depressa, a vista escurece. Não consigo mais enxergar as letras miúdas dos rótulos. Mas a minha mente não se toca, ela me superestima.
Se surge um problema, meu corpo logo reage: suor, tremor, vertigem. Minha mente se desespera perguntando-se quem irá resolver a questão, visto que acredita que algum adulto maduro e responsável precisa assumir o controle, quando informo que sou eu a adulta, ela simplesmente quer desligar. Nessas horas eu preciso me sentar, pois tudo à minha frente começa a desvanecer e já não consigo ouvir mais nada.
Quando eu era criança tinha a impressão que os adultos sabiam o que estavam fazendo, pareciam ter certeza das decisões que tomavam. Ou as coisas não são exatamente assim ou estou fazendo alguma coisa errada. Será que tem algum manual que eu não li ainda? Fico calada quando devia dizer algo, digo algo quando devia ficar calada, não consigo decidir nada, não tenho certeza de nada, nem sei que direção devo tomar. Será que teve alguma aula que eu faltei? Essa sensação constante de não saber o que fazer é desesperadora, ainda mais porque eu pensava que ela acabaria quando eu ficasse adulta. Como pude me iludir tanto?
Se acontece um problema no trabalho, a vontade que tenho é de chorar, pedir para minha mãe vir me buscar, então ela me daria um leite morninho e eu tiraria uma soneca abraçada à minha pelúcia preferida, ao acordar tudo estaria resolvido, mas não há essa possibilidade, eu preciso explicar para minha mente que essa alternativa não existe mais. Se eu crio os problemas, eu que tenho que resolver, os que eu não crio também.
Não adianta fazer birra, dizer que vou ficar sem comer, que vou fugir de casa, toda a bagunça sou eu que tenho que arrumar. Eu provavelmente aceitei os Termos e Condições da vida adulta sem ler. Se estou chateada com alguém, chamá-la de feia não resolve mais, ao contrário, posso ganhar um processo por isso. Quando estou prestes a fazer uma besteira, não tem ninguém para me impedir, então eu quebro a cara e ainda levo anos para me recuperar, se é que me recuperarei.
Que saudade de quando eu ouvia: “menina, desce daí!”, “você não vai não!”, “você não é todo mundo!”, “eu já disse que não!”. Procuro alguém que me diga o que fazer para que quando tudo der errado eu tenha em quem botar a culpa, mas não aparece ninguém, uns isentões. O que mais me revolta é que passei a minha juventude inteira ouvindo meus pais dizendo que um dia eu iria entender, que quando eu fosse adulta tudo ficaria claro para mim. Como eu já previa, eles estavam enganados.
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Nasci em Cabrobó, Sertão Pernambucano. Sim, Cabrobó existe, não é só uma expressão que quer dizer algo muito distante. Sou tradutora e intérprete de Libras no IFSertãoPE há quase 10 anos. Apaixonada por crônicas, tenho dois livros publicados: Crônicas de uma intérprete (Letramento) e Notas de uma depressiva (Viseu) e muitos outros ainda na minha cabeça. Escrever é terapêutico e libertador.
4 respostas em “Quantos anos você tem? ”
“Vou contar tudo pro seu pai quando ele chegar…”
É, amiga, bons tempos.
Parabéns!
Era tenso, mas era bom demais!!!! 😅
Parabéns pelo site! Você está fazendo um trabalho incrível e tenho certeza de que, com essa dedicação, vai conseguir realizar todos os seus objetivos. Desejo muito sucesso nessa jornada e que suas metas se tornem realidade.
Uma vez adulto, Rachel, sempre teremos as mesmas imagens: do inseguro que não sabe o que fazer, do chato que vê tudo ruim e do saudoso da infância.
Diz isso pro nosso cérebro e se este tivesse um dedo do meio, mandara-nos lá pra onde o sol não bate.
Esse é o preço que pagamos por crescer. Como Kell Smith já dizia: “um joelho ralado é melhor do que um coração partido”.
E isso concordo em gênero, número e grau. Afinal, queremos sempre voltar lá pro nosso marco zero e ficar por lá para sempre.
Mas não é fácil. E as dores sempre serão nossas companheiras que denunciam a idade da gente até nossa ida a sepultura.
Faz parte aceitar e encarar com toda alegria que puder.
É isso, Rachel. Um grande abraço e até a próxima.