Ela olhava a família em torno do bebê. Alguns tios faziam gracejos só para boquinha sem dentes, sorrir, os priminhos insistiam em soltar beijos para aquela criança imitar e a mãe balançava o neném repetindo algumas palavras na tentativa de exercitar o seu balbuciar, porém, aquela mulher na beira dos seus 40 anos só pensava em uma coisa: alguém um dia vai ter que tirar tempo para educar aquela criança para o desafeto. Sim! Desafeto e sabe? Eu concordo.
Amor é importante. Nascemos para ser amados e amar, todavia o mundo não está pronto para as contrariedades e eu posso provar. Se lembra de algum momento em sua vida em que se ousou a falar algo que não foi aceito pelo outro? Certamente isso não faz trezentos anos. Talvez foi ontem, hoje ou até mesmo nesse segundo, mas nessa questão toda do desagradar não é apenas o outro que fica irritado, nós, enquanto emissores ao sentir o julgamento do outro por meio da linguagem não-verbal ou até mesmo de comentários do tipo: “Você gosta de reclamar hein!?”, “Hummm, você eu não sei não” ou “Você está enxergando problema onde não tem!” nos sentimos também desconectados e isso se deve ao fato de não sermos amigos do desafeto.
Existem pais e professores que até nos dão um sermão sobre o fato de aceitarmos os “nãos” da vida, mas ainda assim, não é suficiente. O escutar e o falar andam corrompidos. A obra “O palhaço e o psicanalista” fala algo que simpatizo muito: “Escutar o outro é escutar o que ele realmente diz, e não o que nós, ou ele mesmo, gostaria de ouvir. Escutar o que realmente alguém sente ou expressa, e não o que seria mais agradável, adequado ou confortável sentir”. Porém, na prática, não é assim. Deveria ter essa conscientização da escuta, mas não há.
Por isso, faço a defesa de estarmos prontos para o desafeto e isso nada tem a ver com ser rude e desprovido das noções básicas da cortesia, mas é ter o emocional fortalecido diante do nariz que insiste em torcer quando você se posiciona. Os emissores precisam estar preparados para os receptores que só querem afeto. É exatamente nesse momento que vejo aquela mulher pegar o bebê no colo e entre uma brincadeira e outra noto que ela sussurra algo naquela pequena orelhinha. Não consigo escutar, mas na minha liberdade literária crio a seguinte fala:
—Vai ter gente que não vai gostar de você, mas vai ter gente que vai te amar e a melhor notícia é: Está tudo bem!

“Dona de toda rima que há em mim.”
Nascida sob o sol de fevereiro de 1993, Deise Natividade é natural de Salvador-BA e atua no mesmo estado como professora de língua portuguesa e revisora de textos acadêmicos. Tem paixão pela escrita desde os tempos da escola, época na qual descobriu por meio da sua professora de sociologia o gênero textual que escrevia: Crônicas. Em 2023, conquistou o 2° lugar no X Concurso Nacional de Projetos Escolares de Incentivo à Leitura- Prêmio Professor Electro Bonini.
8 respostas em “Pronta para o desafeto.”
Que linda a mensagem do seu texto, Deise! ´
É preciso estar atento e forte, como diz a música e o poeta. 🙂
Que bom que gostaste! Obrigada pela leitura 📚
Sim! Inclusive gosto muito dessa canção-poema-Manifesto “É preciso estar atento e forte”
Seu texto equilibra sensibilidade e realismo ao defender a importância do desafeto. O desfecho é poético e oferece um alento necessário: está tudo bem não agradar a todos.
Meu mestre! Grata pela tua leitura e olhar atento.
É realmente um alento saber que se não agradar …tudo bem😊
Amei o texto!
O hábito de falar e de escutar o outro está realmente corrompido.
Reflexão maravilhosa!
Educar sobre/para os desafetos não é uma tarefa simples nos tempos em que vivemos.
😍😍😍 Que alegria ter seu feedback aqui!
Muito obrigada pela leitura.
E sim! O tempo é desafiador. Requer muito cuidado no educar.
A vida não é feita só de afetos e grandes amizades. Existem também aqueles que não te aceitarão de jeito nenhum ou meio que a contragosto, Deise.
É aí que entra a personalidade pra fazer a diferença. E também a Terceira Lei de Newton pra nos preparar aos futuros desafetos.
A cada ação, sempre tem uma reação igual em proporção. Pode ser boa ou má.
No fim das contas, sempre passa pelas nossas características pessoais.
Acho que todo bebê que passou por essa Terra (e ainda passará) receberá bem o conselho inicial de sua mãe.
É isso, Deise. Um grande abraço e até a próxima.
Obrigada, pela leitura 📚 💙 e que os conselhos maternos não sejam apenas da super proteção, mas de fortalecimento para uma sociedade que pode nos amar e odiar pelo mesmo motivo e…tá tudo bem.