Fui num restaurante essa semana. Ele era lindo, chique, um desses locais repletos de vinhos para escolher de acordo com o ano da safra. Era meio dia e havia uma promoção especial de almoço executivo. Em determinado momento, eu fui ao banheiro e senti como se passasse por um portal, porque o caminho do outro lado, até chegar no toalete, era feio, sujo e mal acabado. O poder das aparências está, definitivamente, em todos os lugares.
O discurso das mídias sociais está vivo. Hoje mesmo, me deparei com um vídeo da Scarlett Johansson informando que não tem Instagram por não ter emocional. Que certa vez, entrou e ficou 3 dias, o suficiente para se perceber perdendo 20 minutos do seu tempo admirando um desconhecido e querendo ter a vida de alguém que ela nem conhecia. A aparência de mostrar uma vida perfeita, escolhas acertadas e um mundo melhor. A velha história de que a grama do vizinho é mais verde, mas a gente não sabe se o brilho da cor foi a pessoa pintando-a de spray para enganar.
Não que as mídias sociais tenham criado esse comportamento. O próprio restaurante me mostrou que a gente vive de aparência no dia a dia. Nos vestimos para mostrar bem estar, rimos quando a vontade é chorar, interagimos quando o desejo é ficar em casa. Colocamos máscaras sociais para não revelar nossa verdadeira personalidade e corremos o risco de usá-las tanto, que nos tornamos alguém que nem nos reconhecemos. O próprio algoritmo, em mostrar conteúdos que habitualmente buscamos, está no nosso cotidiano. Quem nunca pensou em comprar um carro e, de repente, só viu esse carro na rua? Algoritmo em sua máxima escala.
O mundo virtual é só um reflexo do que a gente já está acostumado a produzir. A grande diferença é a rapidez. É a solidão. É o excesso. Na palma da mão, em questão de vinte minutos, deitados na cama, dentro do nosso quarto, podemos ambicionar a vida de outra pessoa e sofrer por não a ter. Na virtualidade dos desejos a gente deixa de viver e esse é o perigo. Na vida, a gente precisa sair, interagir, se relacionar, experimentar, vivenciar. No virtual, basta clicar.
Eu tenho uma rotina matinal. Acordo, escrevo livremente em um diário, leio um pouco, medito quando a mente não está turbulenta (o que é uma contradição, eu sei, mas faço o que dá.) De repente, percebi que não estava mais executando fielmente a minha rotina, porque o celular me distraía. Ele tem esse poder e essa facilidade. Esse vício. Essa rapidez e dominância. Ao invés de começar o dia de maneira frutífera, começava num estado de comparação, vendo o que o outro tem, o que faz e tudo o que conquista. Ao invés de começar o dia sendo o que sou, estava instigado em desejar a aparência do outro e nessa comparação, eu sempre saio perdendo.
Já faz um tempo que iniciei um movimento de deixar o celular em casa. Quando vou treinar, não o levo como distração. Ao acordar, tento não navegar por seus aplicativos. Durante o dia, tento ignorar as contínuas mensagens de whats app. O mais importante, entretanto, a meu ver, é não postar mentiras infundadas e nem mostrar, continuamente, só o que está bom. É não pintar a minha grama com spray verde, entende? Afinal de contas, a mídia social é o que é porque a gente produz o conteúdo dela. É a gente que coloca o que ela compartilha. A gente toma essa decisão diariamente e não dá pra questionar o fingimento, as aparências e a saúde mental, se não fizermos a nossa parte para mudar. Essa responsabilidade é de cada um e não dá pra continuar leviano quanto a isso.

Escritor, roteirista e diretor, formado em cinema, com um curso de direção cinematográfica em Madrid e pós-graduado em escrita criativa. Publicou os e-books Relatos de um pisciano ansioso, partes 01 e 02 e o livro de contos Fúrias Internas e Outras Cóleras. Roteirizou seu conto Os Cravos e produziu um curta metragem com recursos da LPG. Sócio-fundador da Jemastê Filmes. Roteirizou e dirigiu diversos curtas e séries, se prepara para lançar seu primeiro longa metragem, intitulado TRÊS, e gosta de compartilhar seus erros e aprendizados em crônicas… Não sabe dizer se isso é saudável ou não, mas teve alta da terapia!
5 respostas em “O poder das aparências.”
Cliquei sem querer e não terminei rsrsr… Tx incrível Renan, reflexivo. Me fez pensar…
O mundo hoje em dia está cada vez mais complicado e desafiador. Nós realmente perdemos um tempo absurdo com redes socias e como escritores, isso está cada vez mais complicado. Só não acho q ser 100 porcento honesto é realmente uma coisa boa. Acho q a questão é, até q ponto a exposição da verdade é benéfica. Acho q determinadas coisas deveriam ficar longe das redes sociais.
O famoso equilíbrio, né?! Que satisfação é essa também que a gente precisa disponibilizar assim, tão gratuitamente, né? Certíssima.
Uma crônica bem explicativa sobre os perigos de entrar em parafuso por causa do sucesso do outro. Haja mente pra suportar isso.
Então tu escreves diário também? Que legal, então somos dois porque também faço isso.
Também uso bastante o celular, mas é mais pra ler no Kindle ou no Biblion do que qualquer outra coisa. O problema são os joguinhos do Solitaire, heh, heh…
Fica a dica pra escapar dessa loucura. Kindle e Biblion são a salvação da lavoura.
Até a próxima.
Kindle realmente salva demais. É sempre incrível ler seus comentários!