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“Morning pages” (parte 1)

Eu já havia ouvido falar de Morning Pages um tempo atrás. Não lembro onde, não lembro quanto tempo atrás, nem o que tinham dito a respeito. Circunstâncias e coincidências me fizeram voltar ao tema no meio de maio deste ano. (Maio foi um mês difícil. Eu acho que entendo o Drummond dizer que “outono é a estação em que ocorrem tais crises, e em maio tantas vezes morremos”.) Acabei abraçando o desafio e agora faz pouco mais de um mês que tenho praticado o “exercício”. Esta crônica, então, é para falar de minhas impressões iniciais com as tais Morning Pages.

Julia Cameron1. Parece ser essa a dona da ideia. Uma ideia que, tal como grandes ideias, depois de nascida, parece óbvia demais. As tais “páginas matinais” são quase que simplesmente um exercício de escrever toda manhã. No original, são três páginas daquilo que estiver logo cedo na sua cabeça, despejado quase como um fluxo de consciência.

Confesso que eu não li a Julia. Minhas influências definitivas para iniciar a atividade foram Rodrigo Gurgel2 e Pedro Sette-Câmara3. Misturando algo canônico, com o que aprendi com esses senhores, e alguma subversão minha, me joguei na empreitada. Logo de cara, eu sabia que teria dois principais problemas: o primeiro, escrever todo dia; o segundo, escrever pela manhã – basicamente, os dois pilares do exercício. Tanto é que, preciso dizer, eu falhei. Naquele que teria sido o 13º dia seguido de escrita, eu não escrevi. Não só não escrevi como desisti do desafio. No dia seguinte, peguei o maldito caderninho verde de capa dura e comecei:

Desisti das Morning Pages. Desisti resolutamente ontem, terça-feira, 11.06.2024. Hoje, voltei atrás.

Eu não queria deixar mais um projeto pelo caminho. Mais do que isso, eu não queria deixar de escrever. Desde aquele dia 12 de junho, não parei mais. É verdade que tem sido muito difícil escrever pela manhã (por duas ou três vezes, comecei as páginas “matinais” no último minuto do dia). E isso é algo grave pro exercício. Em um dos seus textos, o Pedro Sette-Câmara diz: “DE PREFERÊNCIA AO ACORDAR. (Sim, isso é relevante, parem de complicar o método, pelo amor do Santo Deus, hagíos hó Théos!)”. Desculpa, Pedro; desculpa, Julia. Mas eu tinha duas opções: escrever quando desse, ou não escrever. Preferi escrever. Em breve, espero fazê-lo como se deve: cedo! Quando consigo, é melhor, bem melhor.

É verdade também que, apesar de manter a média de três páginas, eu também falhei nesse ponto. Quando é para mais, tudo bem. Houve dias em que escrevi 6, 7 páginas. Houve dias, como na sexta-feira, 28 de junho, que eu me contentei com 5 linhas:

28.06.2024. Sexta-feira. 23h59 #29
Queria escrever sobre umas mensagens do Pedro no "Confissões". Queria acabar a dissecação da discussão com o Gabriel. Mas hoje é (mais) um dia de só cumprir com o compromisso de escrever todo dia. E é isso. (00h03)

Dois dias depois, eu estava exausto após umas 9 horas fora de casa por causa do casamento de uma amiga. Pedi para a Carol me dizer uma palavra qualquer. Foi o que botei no papel:

30.06.2024. Dia do Senhor. 23h05 #31
Energia

Dá para ser melhor. Dá para ser muito melhor. Mas eu estou feliz de estar escrevendo todo dia. É pouco, mas é muito. As Morning Pages são muito mais do que somente escrever todo dia (como eu achava quando ouvi falar disso a primeira vez); mas não são menos do que isso. Eu ainda quero falar sobre esses objetivos e/ou efeitos das páginas matinais num segundo texto. Que tal?

E lá para o fim do ano, eu quero voltar e escrever um terceiro (e último?) texto para dizer se eu consegui começar a escrever de manhazinha. E se eu consegui o meu objetivo de escrever 100 dias! E, aí, devo ter mais alguma coisa para contar dessa caminhada.

Será que esse texto fará com que alguém pegue um caderninho e comece a escrever Morning Pages também?! Poxa, seria legal!


  1. No livro “O caminho do artista: Desperte o seu potencial criativo e rompa seus bloqueios”, da editora Sextante. ↩︎
  2. Professor, escritor, crítico literário. https://www.instagram.com/rodrigogurgel12/
    ↩︎
  3. Doutor em Letras (que não gosta muito de ser chamado de doutor), tradutor, e, diria eu, crítico cultural. https://www.instagram.com/pedrosettec/. O Pedro é o principal responsável por eu ter iniciado as Morning Pages. ↩︎

10 respostas em ““Morning pages” (parte 1)”

A crônica “Morning Pages – Parte 1” é uma leitura cativante e envolvente. A maneira como o autor transmite suas reflexões matinais é ao mesmo tempo íntima e universal, convidando o leitor a mergulhar em seus próprios pensamentos e experiências. A escrita é fluida e bem estruturada, com uma sensibilidade que toca profundamente. Parabéns por uma obra tão inspiradora e bem executada!

Não conhecia ainda (a teoria do) Morning Pages, embora, por vezes, de manhã cedo, já corro para abrir o notebook para não deixar escapar uma ideia que despertou comigo. Mas isso só é possível nos dias em que estou de folga (só nas horas de ócio se fazem coisas excelentes, André Gide). Já nos dias de trabalho, fica mais difícil. De qualquer modo, vou tentar pôr em prática.
Obrigado, Misael, pela dica e pelas referências bibliográficas. E parabéns pela crônica.

Olha, Misael. Meu caso com as “Morning Pages” é um pouco diferente da sua.

Como meu tempo é curto, escrevo uma página por dia em meu “Diário Crônico” sobre minhas sensações, peripécias, lembranças de amigos, etc…

Mas concordo plenamente contigo. Devemos escrever todos os dias, ou como eu mesmo chamo, em nosso treinamento literário. Seja em casa ou fora dela.

Se interessar uma dica de amigo, sugiro que se puder, é claro, faça relatórios a cada semana de escrita.

É o que faço toda vez que vou ao Centro da cidade pra treinar minhas habilidades escrevendo o que vem na minha cabeça ou minhas impressões na Oficina Literária onde faço parte.

E escrever esse tipo de relatório me ajuda a corrigir minhas eventuais falhas na escrita e faço as conclusões lógicas de cada treino neste relatório.

É isso, Misael. Cada um usa o que tem pra evoluir o nível de escrita.

Um grande abraço e até a próxima.

Adorei o texto, Misael! Não conhecia essa dica das morning pages. É cavar tempo para dar conta, né? Não sei se eu conseguiria como primeira atividade do dia por causa do trabalho. Mas concordo com você, o importante é escrever. Então se está fluindo, que assim seja. rs
Abs,
Carina
P.S.: Vou separar um caderninho 🙂

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