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“Melancholia” ou Piquenique no fim do mundo

Domingo de sol. Sento-me no centro das memórias e estendo a toalha de motivos alegres à espera da funesta hora. Sirvo um banquete de ossos já roídos até o talo, disponho uma coleção de estilhaços como fossem taças de cristal. Um festim de falhas e dores que imploram pela iminente colisão que, enfim, findará toda culpa cristã…

Posso ofertar alguma solidão. Nada mais. Recordo a espuma dos dias de infância, dias envoltos nos feixes de luz de um tempo que já não está; visões líquidas refratadas pelo prisma do absurdo, de onde raiam cores horrentes do cataclismo que me engole atropela e chamo eu, genericamente, de “vida”.

Outros melancólicos juntam-se a mim para a ultima refeição. Praguejam suas existências,
recalcando o completo pavor de encerrá-las sem maiores emoções. Nos derradeiros segundos de planeta, agora, querem viver toda uma eternidade perdida, ao que o som do fim do mundo cresce e já se faz bem próximo, presente em tremores antipáticos sentidos de qualquer lugar. Só nos resta dançar.

O vórtice de poeira que nos bagunça os rostos já carrega o inconfundível aroma do adeus – é
chegada a hora. Queria correr de volta àquela casa de outrora, escancarar as janelas, deixar
entrar um ultimo sopro de sol antes que tudo morra, guardar no bolso minha juventude lá
aprisionada e levá-la comigo. Resgatar meus animais, ver no reflexo dos vidros mais uma vez o sorriso dos meus garotos, manter as mudas a salvo…

Mas o único tempo que me é real é o de fechar os olhos, zerar o medo, sentir o vento me
varrer com as cerdas de uma estranha paz. Tempo de deixar ir. Acolhem-me algumas mãos calorosas e ouço dizer que até mesmo o fim se extinguirá; “esqueça suas vontades, lembre-se apenas de quem és por baixo de tudo” – uma vez passado o rolo compressor dessa catástrofe toda, não será possível identificar corpo algum. Também não haverá sobreviventes para perpetuar o trabalho sujo da humanidade…
Falhamos.
É nessa hora que o sol escurece pra nunca mais nascer. O mundo já chegou ao fim, recolham suas toalhas.

5 respostas em ““Melancholia” ou Piquenique no fim do mundo”

Uma reflexão ou premonição de nosso triste e patético final da aventura humana na Terra?

Ou quem sabe os últimos momentos de nossas vidas passadas como se fosse um filme em rápida sucessão antes de dizer “adeus, mundo cruel?

Seja como for, estamos nesse extremo banquete a muito tempo. Um fim do mundo provocado por nós mesmos.

Adorei esta crônica, Vitória. Seria perfeito para um fim de mês digno.

Tudo que podemos fazer é aproveitar nossos últimos momentos com um sorriso no rosto antes de tudo se fechar para sempre.

Como diria Los Hermanos: “Todo carnaval tem seu fim.”

E os piqueniques também.

É isso. Um grande abraço e até a próxima.

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