
Eu nem queria relembrar os dois longos anos que passamos em isolamento social durante a pandemia de Covid-19, mas também lembro que durante aquele período tenebroso dizíamos que sairíamos melhores daquilo. Também sei que uma das sequelas desse vírus era ter a memória prejudicada, será que foi isso?
Pois o que temos visto não demonstra que nos tornamos pessoas melhores e que aprendemos a lição, até hoje tem gente que não sabe nem espirrar, lavar as mãos e muito menos viver em sociedade. Enquanto não era permitido sair de casa, muita gente sentiu falta do convívio social, mesmo com os problemas que ele causa. Ficou nítido que o ser humano foi feito para viver em conjunto e até mesmo aqueles que são mais introvertidos precisam ter a certeza de que se por acaso algum dia tiver a vontade de socializar será permitido, não que isso vá de fato acontecer, mas saber que existe a possibilidade nos tranquiliza.
E foi só liberarem a saída que voltamos aos velhos hábitos: “vamos combinar!”, “vamos marcar um dia!”, “a gente se vê!”, “a gente tem que marcar um rolê!” … e tudo continua no plano das ideias, zero execução, já aceitamos o fato de que frases como essas dão a entender que nada irá acontecer. Quando não conseguimos escapar a uma reunião social, torcemos para que seja cancelada ou que acabe logo. E tudo tem contribuído para o agravamento do vício do isolamento: trânsito, filas, atrasos, mal-entendidos, lugar para estacionar. E mais soluções para nos manter em casa vão surgindo: entrega de todo tipo de produto, entretenimento na palma da mão, conectividade virtual.
Assim, coletivamente decidimos nos isolar. Mesmo quando estamos fisicamente presentes, não estamos mentalmente. Já conseguimos solucionar o problema das distâncias geográficas, porém a distância emocional é uma barreira aparentemente intransponível. Não posso negar que trabalhar, se divertir e receber as comprinhas em casa é bom demais, mas por que parece que não estamos bem? A impressão que tenho é que a maioria das pessoas está desanimada, triste, irritada, vazia, embora se esforcem para aparentar o contrário.
Não sou contra o uso das facilidades da tecnologia, mas percebo que estamos nos perdendo de alguma forma. Estamos nos distanciando tanto que talvez não dê mais tempo de voltar. E é impressão minha ou parece que está todo mundo cansado, esgotado, no limite? Não estamos vivendo, estamos suportando o passar dos dias, tentando encontrar um fio de luz que nos conduza para fora desse soterramento de angústias, aflições e ansiedades.
Socializar sempre teve seus desafios, mas costumávamos dizer que havia beleza nas divergências e no modo como nos mantínhamos achegados apesar delas. Só que estamos tão sobrecarregados que evitamos levar qualquer peso adicional, nos livramos do que podemos. No entanto, esquecemos que um pouco de peso é necessário para nos manter no chão e em equilíbrio no meio do furacão chamado vida.
Não consigo imaginar até onde isso irá nos levar. E não pense que tenho a solução, eu só observo, angustio-me e escrevo. Quem sabe alguém pode me apresentar uma solução que não estou conseguindo enxergar daqui do meu sofá.
Nasci em Cabrobó, Sertão Pernambucano. Sim, Cabrobó existe, não é só uma expressão que quer dizer algo muito distante. Sou tradutora e intérprete de Libras no IFSertãoPE há quase 10 anos. Apaixonada por crônicas, tenho dois livros publicados: Crônicas de uma intérprete (Letramento) e Notas de uma depressiva (Viseu) e muitos outros ainda na minha cabeça. Escrever é terapêutico e libertador.
2 respostas em “ISOLAMENTO ”
Uma crônica que parece ter sido feito sob medida para mim, Raquel.
O isolamento, pra mim, sempre foi uma válvula de escape desde criança e nunca foi problema, porque mesmo na época pré-pandemia, andava sozinho pelas ruas e bibliotecas.
É uma raridade quando alguém conversava comigo sem ter medo da minha “esquisitice”. Até hoje, fico espantado quando as pessoas andavam do meu lado.
Socializar sempre foi meu calcanhar de Aquiles, mas vou me adaptando a isso.
O mundo está tão louco que a vontade de se reunir vai morrendo aos poucos. Acho que é uma das sequelas da COVID-19 que ficará para sempre na gente.
A sequela da socialização.
É isso, Raquel. Um grande abraço e até a próxima.
Raquel,
Muito boa a sua crônica. Isolar-se é muitas vezes necessário.