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Gentileza

Entro no saguão dos Correios, pego a senha na máquina de senhas e me sento para endereçar meu envelope. Percebo uma fila em frente ao guichê com placa pendurada onde se lê: “Sedex Premium”. Como não é o meu caso, continuo meu endereçamento. 

Observando que a fila anda rápido e nós, sentados com a senha na mão, só aumentamos em número, perguntei ao colega ao lado:

— A senha está funcionando?

Ao que ele responde, olhando a própria senha:

— Espero que sim. 

Mais alguns minutos, ele se levanta e vai perguntar. Só então fomos informados de que o sistema de senhas não estava funcionando e o que estava valendo era a fila! Não deixei o prédio batendo o pé porque já não tenho idade para isso. Mas confesso que saí resmungando, deixando a postagem para um outro dia.  

Enquanto caminhava irritada, minha resmungação foi se transformando em avaliação do ocorrido. Primeiro pensamento: que falta de respeito com o público! Segundo pensamento: a funcionária que não avisou deve estar com algum problema ou sobrecarregada. Terceiro pensamento: na verdade a culpa foi minha, devia ter perguntado no guichê logo que cheguei. 

Chegando em casa, assunto esquecido, fui ler meus e-mails e me deparei com uma mensagem enviada por Raphaela Ramos, minha professora de yoga. O tema era “gentileza” e uma parte do texto dizia: “Hoje, gentileza é para mim uma prática. Posso vivê-la (…) quando reconheço o poder das emoções e faço uma pausa antes de despejá-las ao redor.” 

Eu quase despejei minhas emoções ao redor (por sorte já não tenho, mesmo, idade para sair batendo o pé). Havia muita gente alí para servir de receptáculo da minha raiva:  o sistema de senhas dos Correios e a própria instituição; a funcionária que não avisou da fila; as pessoas da fila que não me alertaram; o rapaz que não me deu uma resposta precisa… 

Talvez o verdadeiro motivo de minha irritação fosse a sensação de estar perdendo tempo (e eu nem tinha um outro compromisso). Ou a ideia de estar sendo ignorada como consumidora. Ou ainda a frustração por não ter percebido logo a situação. 

É possível que alguém, realmente, tivesse culpa. Mas a questão aqui é o quanto eu estava disposta a ser gentil com os erros dos outros. E com os meus próprios. 

O instinto selvagem que nos faz revidar, reclamar, exigir reparação, abafa a amorosidade que temos dentro de nós, fazendo com que esqueçamos de ser gentis com as imperfeições humanas. Alguns chamariam isso de tolerância. Mas eu acho que é mais do que isso. Tolerar é fazer uma concessão, um favor do qual a gente espera retorno. Gentileza é um ato de amor. 

Por um mundo com menos dedos apontados e mais mãos dadas! 

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