Segundo um comentarista da TV britânica, os jogadores de futebol não podem mais dançar quando fazem gol, é desrespeitoso. Dançar incomoda, e se não tiver métrica no passo, se o lugar for inapropriado, então, é quase uma ofensa. Fico imaginando o que os Orixás pensam disso tudo, eles que chegam ao mundo e partem do mundo dançando. Nós próprios fomos criados e nascemos a partir de movimentos muito próximos da dança — o sexo e o parto. Movimentos que a igreja tenta esconder, a medicina tenta imobilizar, mas sexo e parto não cabem numa cama, menos ainda numa mesa de cirurgia. Se o corpo não explode sua liberdade pro mundo, certamente implode em doença, neurose, tiques, delírios. É preciso dançar, suar, beijar, liberar o corpo pra que ele seja o que nasceu pra ser: livre.
Trago Gil em pai e mãe, quando ele diz que passou muito tempo pra aprender a beijar outros homens como beija o pai. Na música, ele explica pra esse pai que estabeleceu com os homens que beija um carinho e segurança tão genuínos quanto os que tem com ele, e que não há o que temer frente ao afeto. Nossa cartilha social fala onde cada pessoa deve ficar, como deve se comportar e qual a distância e intensidade dos abraços que serão dados a depender da cor, gênero e posição social, sua e do outro.
Para viver na contemporaneidade orquestrada pela moral cristã e pelo capital, o corpo tem que ser bem domado quando habita as vias públicas. Dois ou três beijinhos, aperto de mão, tapinha nas costas. No privado, ninguém mete a colher. Com álcool dá pra soltar um pouco mais, todo mundo se autoriza. Essa cartilha diz que homens não podem abraçar e beijar outros homens. Que mulheres são traiçoeiras umas com as outras. Colo é coisa pra quem é fraco.
Gil conseguiu rasgar essa parte do texto e reescrever que é gente, outros homens também são gente, e se procurar bem, existe afeto – um monte! – no fundo desse baú, bem escondido pelo patriarcado, lá embaixo das pilhas de normas que a gente aprendeu. Se o Gil levou muito tempo, nós que estamos indo de jangada vamos levar quase uma eternidade.
Cearense nascida e criada na beira do mar de Fortaleza, hoje mora em Belém, perto da floresta. Escreve o pequenininho, o cotidiano bobo, o que a vista alcança nas paisagens de dentro.
8 respostas em “Dançar incomoda”
acabei de dançar um pouquinho com vc!
reflexão poderosa sobre o toque entre homens, adorei!
Que bom, Gabriela! O Gil é muito gênio nessas reflexões!
Lindo texto!!👏👏👏
Obrigada, querida!
Lindo e verdadeiro texto. Parabéns, que a natureza e seu lindo coração lhe permita criar muito mais desses textos. 🙂 bjs.
Que bom que gostou, Juliana!
Lindo texto. Suyá!!! Já quero um livro de crônicas ❤️
Obrigada! Um dia o livro passa da ideia pra matéria! =)